Simon Schama - O Poder da Arte, Parte 8 (final) - Rothko

Pintura
Vermelho sobre Marrom, 1959 (Tate Gallery, Londres)

"Até onde vai o poder da arte? A arte consegue nos fazer perder o apetite, como o amor, o sofrimento ou o medo? Consegue frear a azáfama implacável da vida, silenciar o burburinho e ir direto às emoções mais fundamentais: angústia, desejo, êxtase, terror? Em quase toda a história da arte, preservou-se a convicção de que, quando se mira tão alto, é preciso recorrer à narrativa, ou pelo menos às figuras, para expressar toda uma gama de sentimentos: madonas chorosas, nus voluptuosamente vulneráveis; comovidos autorretratos; heróis tombando em combate. Mesmo as paisagens despovoadas, banhadas em luz, supunham uma lembrança sentimental, efêmeros momentos de felicidade." - Simon Schama - O poder da Arte (pág. 436)

Simon schama chega ao final de sua seleção de obras-primas com Markus Yakovlevich Rotkovitch (1903 - 1970), ou simplesmente Mark Rothko, um imigrante russo nos Estados Unidos que não acreditava mais na tradição da arte figurativa e na sua capacidade de nos envolver com a "tragédia humana". No entendimento dele, a vida moderna, principalmente na sociedade de consumo, era dependente somente de distrações e na satisfação diária dos apetites. Logo, a arte moderna precisava encontrar uma forma de nos conectar novamente com o "drama da condição humana". O procedimento de simplesmente copiar a realidade, como já se fazia através dos recentes avanços da fotografia, não era suficiente para atender aos requisitos de uma arte contemporânea original. Mark Rothko achava que "apenas uma linguagem visual completamente nova e emocionalmente poderosa conseguiria nos despertar do estupor moral".


Pintura
Laranja, Vermelho, Amarelo, 1961 (coleção particular - leilão Christie´s)

O violento século XX, tão marcado por crises, guerras e revoluções, não poderia mesmo ser representado por um movimento artístico tradicional e, segundo Rothko, o tema principal do seu trabalho era a "tragédia universal da condição humana", embora a nossa percepção artística, acostumada à arte figurativa tradicional, tenha uma certa dificuldade em identificar este tema em suas pinturas de blocos coloridos. Para ajudar a nossa percepção, o ambiente no qual os seus quadros eram expostos devia ser cuidadosamente preparado para atingir o objetivo projetado. A luz tinha que ser sempre fraca (nunca por meio de spots) porque "as obras já tinham seu próprio drama interior e haviam sido concebidas para emitir luz, não para absorvê-la"

De qualquer forma, Rothko perseguiu durante toda a vida uma nova linguagem visual que fosse independente do narcisismo ou da ditadura estética. Podemos dizer que do ponto de vista de crítica e ganho financeiro a sua carreira foi plenamente recompensada. Como exemplo, em 2012, o seu quadro acima "Laranja, Vermelho, Amarelo", pintado em 1961, foi leiloado por mais de 86 mil dolares, um recorde para obras de arte contemporâneas.

Pintura
Nº 5 / Nº 22, 1950 (MoMA, Nova York)

Rothko não gostava muito de sua classificação em um estilo "abstrato" e quando alguma pessoa se aventurava a elogiar suas telas nesses termos, ele respondia que as pinturas não tratavam de abstrações, mas que tinham um tema específico: "a experiência humana, as emoções elementares". Ficava ainda mais irritado quando alguém qualificava os seus quadros de belos porque temia que suas obras fossem vistas apenas como decoração de interiores. Normalmente, ele se expressava em grandes telas verticais por meio de faixas de cor de contornos imprecisos e em áreas que se amontoavam umas sobre as outras, em camadas. As demãos de tinta deveriam ser "sopradas" na superfície como Rothko gostava de dizer e as cores, diluídas ou reforçadas para se relacionar entre si e conosco. Segundo a análise de Simon Schama, "as obras de Rothko são como organismos animados: elas respiram. Assim, os quadros que à primeira vista parecem serenos e imóveis revelam, depois de um ou dois minutos, um mundo de movimento, de energia, como as nuvens de Turner cruzando o céu."

"O poder da arte é o poder da surpresa perturbadora. Mesmo quando parece imitativa, a arte não reproduz o que há de conhecido no mundo visível, mas o substitui por uma realidade que é toda dela. Além de representar o belo, cabe-lhe destruir o banal. Seu método operacional envolve o processamento da informação pela retina, mas em seguida ela adiciona um comando e gera um tipo alternativo de visão: um modo dramatizado de ver. O que nós sabemos ou lembramos a respeito de crepúsculos e girassóis e a forma que eles assumem nos quadros de Turner ou Van Gogh aparentemente se situam em universos paralelos - e não é fácil dizer qual é o mais vívido, o mais real. É como se nosso aparelho sensorial tivesse passado por uma regulagem. Assim, não surpreende que, às vezes fiquemos zonzos." - Simon Schama - O poder da Arte (pág. 11)

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