Simon Schama - O Poder da Arte, Parte 6 - Van Gogh

Pintura
Girassóis, 1887 (Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA)

"Em maio de 1890, sua última primavera, Vincent Van Gogh parecia estar de bem com a vida. Já não estava esquecido. Pintores que admirava retribuíam-lhe o apreço e se ofereciam para trocar telas com ele. Em Bruxelas, expôs ao lado de Cézanne, Renoir e Toulouse-Lautrec e até vendeu uma de suas obras — A vinha vermelha (1888) — por quatrocentos francos (...) Em Auvers, trinta quilômetros a noroeste de Paris, Vincent mourejava, finalizando uma tela por dia, às vezes duas. Nunca fora tão produtivo, tão original, tão ousado. Juntas, as setenta e tantas obras criadas em Auvers - tumultuosas traduções, em traço e cor, da maneira como as emoções registram a experiência da natureza - revolucionaram as possibilidades da pintura. Van Gogh sentiu essa força. As tempestades psíquicas que ainda em abril haviam ameaçado tragá-lo converteram-se, miraculosamente, em energia criadora, e os médicos que cuidaram dele no hospital da Provença o declararam oficialmente curado (...) Bipolar e epilético, Vincent oscilava entre entusiasmo e desolação e, às vezes, comentou, não precisava se esforçar muito para exprimir tristeza e extrema solidão. No entanto, quando estava trabalhando, a melancolia se dissipava como a bruma da manhã." - Simon Schama - O poder da Arte (pág. 322)

Não tenho dúvidas de que se a arte tivesse o poder de oferecer algum tipo de salvação para a humanidade, certamente seria uma arte parecida com a de Vincent Willem Van Gogh (1853-1890). Nenhum outro artista, antes ou depois, conseguiu representar a força da natureza e a solidão do homem como ele fez com as suas pinturas saturadas de luz e cor. Infelizmente, esta mesma arte não conseguiu salvá-lo de seu próprio destino e de dar fim à sua vida com apenas 37 anos. A emoção que sentimos ao ver as telas independe de conhecimento ou cultura artística e é a mesma sensação de presenciar a beleza das flores, dos campos ensolarados ou de uma linda noite estrelada. Na verdade, é uma representação menos figurativa e muito mais "do que vem de dentro" como destacou Schama. 


Pintura
Noite Estrelada sobre o Ródano, 1888 (Musée d'Orsay, Paris, França)

Em "Noite Estrelada sobre o Ródano" o céu iluminado pelas estrelas praticamente se confunde com o reflexo dos lampiões de gás sobre o rio e a cidade francesa de Arles se transforma em uma faixa estreita entre a água e o céu. O casal no canto inferior direito, braços dados contempla a cena. Schama oferece uma bonita interpretação deste quadro: "Com essas duas pessoas, com esse céu, Van Gogh chegou a sua extraordinária visão: O que vemos é a visão do seu encantamento, captado não prosaicamente numa representação usual da figura humana, mas em toda a inefável e imensurável embriaguez dos sentidos. Por fim ele conseguiu pintar a plenitude de nossos corações, como tantas vezes disse que gostaria de poder fazê-lo. Mas também teve de lutar com o tumulto de sua mente."

Isso nos lembra que Simon Schama preferiu destacar esta pintura do que outra famosa "Noite Estrelada" de Van Gogh, hoje um dos tesouros do MoMA em Nova York (clicar aqui para visitá-la). Talvez porque, neste caso, a visão apocalíptica pintada por Van Gogh no período em que esteve internado por vontade própria em um hospital psiquiátrico em Saint-Rémy de Provence, tenha se tornado uma espécie de clichê pelo qual a maioria das pessoas identifica o trabalho dele como de um artista perturbado que teria criado sobre o efeito da loucura, nada mais injusto. De qualquer forma, sendo ou não este o motivo, como selecionar tão poucas obras de um gênio como Van Gogh para um espaço limitado.


Pintura
Trigal com Corvos, 1890 (Van Gogh Museum, Amsterdam, Holanda)

E chegamos então ao enigmático "Trigal com Corvos" que foi considerada por muito tempo como a última obra de Van Gogh, uma espécie de bilhete suicida. Hoje sabemos que ele ainda pintou outros quadros, mas este certamente foi o mais importante da fase final de sua carreira. Um céu tenebroso azul-cobalto com nuvens negras, os corvos que podem estar voando em nossa direção ou não, o caminho central que parece não levar a parte alguma e tampouco os dois laterais. Realmente é uma visão assustadora e solitária.

"Em vez de um convite para entrar num espaço profundo, parece mais uma barreira; opticamente, não somos levados adiante, mas puxados para dentro e para baixo da densa e contorcida muralha de tinta. E essa sensação de ser engolido vivo, na paisagem e no quadro ao mesmo tempo, era o que Van Gogh pretendia provocar desde quando pegou um pincel, na praia de Scheveningen e nas charnecas escuras de Drenthe. Durante anos ele lutou para concretizar uma visão da completa absorção no impulso vital da natureza, uma sensação tão eletrizante que faria a solidão da vida moderna se esvaecer. Era algo semelhante à descoberta feita por Tolstói de que o sentido da vida está, nem mais nem menos, em vivê-la diariamente, porém elevando a percepção desse fluxo cotidiano ao ponto da extrema alegria. Para o pobre Vincent, no entanto, às vezes a extrema alegria não se distinguia da dor extrema." - Simon Schama - O poder da Arte (pág. 381)

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