Daniel Belmonte - Laura é um nome falso para alguém que eu amei de verdade

Literatura brasileira contemporânea
Daniel Belmonte - Laura é um nome falso para alguém que eu amei de verdade - Editora Patuá - 140 Pág. - Capa, projeto gráfico e diagramação de Alessandro Romio - Lançamento: 2020.

Um romance sobre amor e relacionamentos pode ser uma armadilha para qualquer autor, um verdadeiro desafio que exige novas fórmulas para escrever sobre um tema tão recorrente na literatura, de Shakespeare a Bukowski. Daniel Belmonte nos apresenta em seu romance de estreia uma proposta original ao buscar a virtude da simplicidade com uma linguagem coloquial e uma estrutura narrativa fragmentada em forma de diário, crônicas e diálogos, assumindo um tom autobiográfico, como sugerido no criativo título do livro e, principalmente, a coragem de expor os próprios sentimentos, gerando indentificação no leitor.

A verdade é que sempre existe uma forma diferente de escrever sobre um mesmo assunto, principalmente se considerarmos as características de cada época e, certamente, a paixão continua sendo uma necessária e complicada aspiração humana, como já dizia Oscar Wilde na sua peça Uma mulher sem importância nos idos de 1893: "As pessoas deveriam estar sempre apaixonadas. É por isso que nunca deveriam se casar."  Deixo com vocês alguns trechos do romance que mostram como a experiência de Daniel Belmonte como roteirista contribuiu para conseguir, com a sua autoficção, um estilo leve e bem-humorada e que, contudo, faz pensar.
    RODA GIGANTE DO WOODY ALLEN

    "Falha trágica é o nome dessa nossa vontade de ser sempre o mesmo idiota.
    Mas é difícil ser outro idiota que não eu.
    Tem um filme do Woody Allen que eu vi com a Laura que se chama Roda Gigante e nesse filme as coisas sobem e descem, mas elas sempre voltampros mesmos lugares.
    O beijo da Laura é sempre uma surpresa. Surge quando menos se espera. E às vezes quando mais se espera ele não aparece. Sua boca exerce na minha um magnetismo tal que torna a separação complicada. Quando eu a vejo, não tenho vontade de muita coisa além de dar beijo. É difícil desgrudar, como é difícil desgrudar chiclete do cabelo de adolescente mimada.
    Toda vez que eu falo o que estou sentindo as coisas desandam, mas é difícil para mim ser outro idiota que não eu. Se agirmos igual, a roda-gigate sobe e desce, mas continua no mesmo lugar. Rodando. É que é difícil para mim ser outro idiota que não eu. Se eu não sou diferente do que sou, como pedir a alguém que seja diferente do que é?
    Qualquer prosa de viés romântico peca pelo cafonalho, que é uma cafonice do caralho, mas como falar em vontade sem falar da hora em que uma das mãos encosta na perna, ou da hora em que um assunto fútil se desconversa como desculpa para se falar qualquer coisa, ou da hora em que se chupa, ou da hora em que se fica pelado e abraçado curtindo um olhar e o tempo parece tão relativo porque se afunda dentro de um quarto.
    Eu queria saber fazer essa poesia conturbada que a Laura faz, que torna tudo bonito e enigmático, mas eu só sei mesmo é ser bem claro e sem mistério. Isso eu sei.
    Existe uma coisa estúpida no gostar que é a gente do nada voltar para aquele lugar por onde já passou. É porque é difícil ser outro idiota que não eu.
    É difícil ser outro idiota que não eu."
Os títulos de cada capítulo normalmente anunciam um lugar que marcou a trajetória amorosa do autor, formando uma espécie de mapa afetivo da cidade do Rio de Janeiro, seja nos encontros em bares de Ipanema, "perdendo" o celular em blocos de carnaval do Centro, assistindo a filmes no Roxy de Copacabana ou simplesmente tomando uma cerveja na murada da Urca.
PRAÇA XV

    "Uma coisa que eu gosto pra caralho é de ver gente feia se beijando. Tem uma beleza no beijo das pessoas feias. O carnaval é uma carnificina sexual prazerosa e a maior poesia do carnaval é o beijo dos feios.
    Eu tinha dormido na casa da Ana, mas passei a noite com você na cabeça. Quando estava no táxi, indo pro Centro, te mandei uma mensagem e você me disse que também iria pra lá. Boi Tolo fora de época. Abertura oficial não oficial do carnaval carioca. Eu queria aproveitar os blocos de pré-carnaval porque no carnaval mesmo eu ia viajar.
    A gente se encontra por volta do terceiro latão de Antarctica. Quando eu te vi, usando um top dourado, meu coração acelerou. No meio daquele auê carnavalesco, eu coloco a mão no bolso e percebo que estou sem telefone. 'Roubaram meu celular, me dá um beijo pel menos.'
    Começa a chover e vou embora. Sozinho.
    Já estou de banho tomado quando você me procura. Quer me encontrar. E quer mesmo, porque, sabendo que estou sem celular, manda uma mensagem no Facebook. Abro a porta para você, toda purpuruglitter, e a nossa transa caga minha cama e meu quarto de purpurina pelos meses seguintes.
    O sexo naquele dia foi burocrático e sem intensidade. No amor ou na ficção, não adianta querer viver só de clímax. Se vivêssemos no clímax, a poesia não tinha por quê."
Sobre o autor: Daniel Belmonte tem 26 anos e é carioca. Escreveu, dirigiu e produziu o longa-metragem B.O. É roteirista dos programas Zorra e A Gente Riu Assim, da Rede Globo. Diretor artístico da Cia. Involuntária, com a qual realizou diversos espetáculos de teatro de sua autoria, entre eles a Peça Ruim e .Entópicos. Laura é um nome falso que amei de verdade é seu romance de estreia.

Comentários

sonia disse…
Nossa! Ele escreve como quem fala pra si mesmo!
Alexandre Kovacs disse…
Isso mesmo Sônia, um tom praticamente confessional!

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