Adriane Garcia - Eva-proto-poeta
Um livro que, em outros tempos, seria um candidato inquestionável à fogueira, juntamente com sua autora, condenada por heresia ou uma acusação ainda mais grave, questionar os dogmas de uma religião que reflete a estrutura patriarcal dominante. Felizmente, para a poeta Adriane Garcia e as mulheres de uma forma geral, hoje os procedimentos de "caça às bruxas" estão organizados de uma forma mais sutil, contudo, embora a fogueira tenha ficado no passado, não há quem duvide que a misoginia e a violência contra a mulher ainda se mantêm presentes em nossa sociedade.
Lilith, deusa ou demônio, que inspira os poemas deste mais recente lançamento de Adriane Garcia, teria sido a primeira mulher de Adão e também a primeira feminista da história, expulsa do paraíso e excluída da versão oficial da Bíblia. Posteriormente, Eva foi criada a partir de uma das costelas de Adão para servir-lhe de companhia, tendo sido responsável pela perda da inocência humana ao ceder à tentação do fruto da árvore proíbida, uma imagem bem mais conveniente ao papel reservado à mulher.
No trecho em destaque abaixo, a autora faz a apresentação da obra e do contexto que norteou a criação dos poemas. Imagino que o atrevimento de lidar com um tema tão polêmico vem da coragem que os artistas têm quando sabem que: "Essa história não era para ser contada".
Vozes antigas, medievais, modernas, contemporâneas sussurram um nome: Lilith. Primeira mulher, mulher-coruja, deusa, demônio, em mitologias, nos livros oriundos das tradições orais, na Bíblia, na Torá, no Talmud, nos amuletos de Arslan Tash, na demonologia suméria, no poema épico Gilgamesh, na ficção atual há ecos de seu nome.
No Gênesis, especificamente, entre o primeiro capítulo, no versículo 27, e o segundo capítulo, versículo 18, se Lilith esteve, desapareceu.
“Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” (Gn 1:27)
“Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea.” (Gn 2:18)
Os curtos poemas de Eva-proto-poeta aparentam uma falsa simplicidade, construídos de forma concentrada, explodem em múltiplos sentidos que podem até escapar ao leitor mais desatento, um livro deliciosamente subversivo e essencial como toda obra de arte deve ser, recomendo muito e deixo alguns exemplos da furiosa ironia originada por séculos de dominação masculina.
Jardim
Um deus que criaTrês filhosSem infânciaOral
No princípioEra a boca de LilithAbocanhando o verboIncesto
Lilith não querPapai e (não tem) mamãeNo Paraíso só há IrmãosMentira cirúrgicaNa surdinaNoturnamenteMãos no barroDeus cria EvaMenteQue foi deCostela
Da natureza divina e humanaBastava a interdiçãoE Ele tudo sabia:Somente daquela
(e apontou)
Não podem comer
Depois
Atrás da moita
Aquele prazer
De espiar as quedas
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