Adriane Garcia - Eva-proto-poeta

Poesia brasileira contemporânea
Adriane Garcia - Eva-proto-poeta - Editora Caos & Letras - 80 Páginas - Projeto Gráfico: Cristiano Silva - Arte de Capa: Micaelle Britto - Lançamento: 2020.

Um livro que, em outros tempos, seria um candidato inquestionável à fogueira, juntamente com sua autora, condenada por heresia ou uma acusação ainda mais grave, questionar os dogmas de uma religião que reflete a estrutura patriarcal dominante. Felizmente, para a poeta Adriane Garcia e as mulheres de uma forma geral, hoje os procedimentos de "caça às bruxas" estão organizados de uma forma mais sutil, contudo, embora a fogueira tenha ficado no passado, não há quem duvide que a misoginia e a violência contra a mulher ainda se mantêm presentes em nossa sociedade.

Lilith, deusa ou demônio, que inspira os poemas deste mais recente lançamento de Adriane Garcia, teria sido a primeira mulher de Adão e também a primeira feminista da história, expulsa do paraíso e excluída da versão oficial da Bíblia. Posteriormente, Eva foi criada a partir de uma das costelas de Adão para servir-lhe de companhia, tendo sido responsável pela perda da inocência humana ao ceder à tentação do fruto da árvore proíbida, uma imagem bem mais conveniente ao papel reservado à mulher.

No trecho em destaque abaixo, a autora faz a apresentação da obra e do contexto que norteou a criação dos poemas. Imagino que o atrevimento de lidar com um tema tão polêmico vem da coragem que os artistas têm quando sabem que: "Essa história não era para ser contada".

Vozes antigas, medievais, modernas, contemporâneas sussurram um nome: Lilith. Primeira mulher, mulher-coruja, deusa, demônio, em mitologias, nos livros oriundos das tradições orais, na Bíblia, na Torá, no Talmud, nos amuletos de Arslan Tash, na demonologia suméria, no poema épico Gilgamesh, na ficção atual há ecos de seu nome.

No Gênesis, especificamente, entre o primeiro capítulo, no versículo 27, e o segundo capítulo, versículo 18, se Lilith esteve, desapareceu.

“Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” (Gn 1:27)

“Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea.” (Gn 2:18)

Os curtos poemas de Eva-proto-poeta aparentam uma falsa simplicidade, construídos de forma concentrada, explodem em múltiplos sentidos que podem até escapar ao leitor mais desatento, um livro deliciosamente subversivo e essencial como toda obra de arte deve ser, recomendo muito e deixo alguns exemplos da furiosa ironia originada por séculos de dominação masculina.

Jardim 

Um deus que cria 
Três filhos 
Sem infância 

Oral 

No princípio 
Era a boca de Lilith 
Abocanhando o verbo 

Incesto 

Lilith não quer 
Papai e (não tem) mamãe 
No Paraíso só há Irmãos

Mentira cirúrgica

Na surdina
Noturnamente
Mãos no barro
Deus cria Eva

Mente
Que foi de
Costela

Da natureza divina e humana

Bastava a interdição
E Ele tudo sabia:
Somente daquela 
(e apontou) 
Não podem comer
 
Depois
Atrás da moita
Aquele prazer

De espiar as quedas

 

Sobre a autora: Adriane Garcia, poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018) e Arraial do Curral del Rei – a desmemória dos bois (ed. Conceito Editorial, 2019). 

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Eva-proto-poeta de Adriane Garcia

Comentários

Unknown disse…
Alexandre, mandou muito bem! Gde abç
Adriane Garcia disse…
Alexandre, muitíssimo obrigada pela sua leitura e essa resenha caprichada. Um grande abraço.
Alexandre Kovacs disse…
Oi Adriane, é muito fácil resenhar livros bons! Obrigado pela visita e comentário!

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