Tadeu Sarmento - Ester ou Antígona

Literatura brasileira contemporânea
Tadeu Sarmento - Ester ou Antígona - Editora Uboro Lopes - 143 Páginas - 
Capa: Bloco Gráfico - Lançamento: 2021.

O mais recente lançamento de Tadeu Sarmento é uma novela inspirada na solidão das redes sociais, esses estranhos espaços virtuais, criados com o objetivo de aproximar as pessoas, mas que atingem geralmente um resultado oposto: "A rede social nos conecta a todos, cada um em sua cela. Pelo menos a ideia é essa. Você sabe: uma maneira de estarmos presentes durante nossa ausência. Pra dizer a verdade, ninguém pode contar nossa ausência melhor que nós mesmos. Premissa da vida online. [...] Incrível também o nível de intimidade que podemos atingir por aqui. Parece que quanto mais distantes, mais as pessoas são capazes de falar as coisas mais cabeludas. Ou isso ou fingem bem (tiro por mim, tiro por mim)."

Esta é a história de Ester, protagonista-narradora nada confiável, uma adolescente de 17 anos tentando evitar que descubram que os seus pais estão mortos e os corpos escondidos no apartamento, tudo porque ela não quer ir para um orfanato. Com esta finalidade, assume os perfis da mãe e do pai nas redes sociais, mantendo-os vivos no mundo virtual, pois, na opinião dela, "quem não está online está mais morto que os mortos". Assim, faz com que todos pensem que os dois estão em uma viagem de turismo em Buenos Aires. Como Ester chegou até esta situação e, principalmente, como vai superá-la é um suspense que o autor conduz com habilidade, provocando e mantendo a curiosidade do leitor até o final do livro.

"Digo: considerando nossa vida, todas as famílias parecem horrivelmente felizes na rede social. No fundo sabemos que nenhuma é, que ninguém é, que tudo não passa de mentira. Quem sabe não aconteceu desse jeito: o primeiro usuário que criou uma conta se mostrou feliz e todos que chegaram depois decidiram ser felizes pra acompanhar a moda. É possível que tenha acontecido dessa forma? A felicidade como um vírus, a ideia de que a tristeza é só uma maneira de esperar por uma alegria que chegou tarde demais. Mas chegou. [...] Sim, sei o que você deve estar pensando agora: o que uma menina de dezessete anos sabe sobre a felicidade e todo o resto? Respondo: não sei nada. Tudo o que sei aprendi primeiro nos livros e depois no Google." (p. 31)

Trechos em retrospectiva, a partir dos diários de Cecília, mãe de Ester, alternam a voz narrativa da filha adolescente para a mãe, uma personagem fascinante, órfã que sofreu abusos sexuais na infância e aprendeu a se calar, tornando-se "uma superfície de gelo", infeliz no casamento com um homem autoritário e egoísta que só enxergava a si mesmo: "Deve ter sido duro pra minha mãe perceber isso, perceber que, pra meu pai, amar era subtrair do mundo aquilo que se ama." Ester herdou uma rara condição física da mãe, ser imune à dor. Uma aparente bênção e que, no entanto, para sua mãe representava uma espécie de maldição.

"Não sentir dor não é nada bom. Minha mãe sempre me dizia isso. Que a dor nos protege, nos envolve, educa nossa memória, rouba nossa inocência ao nos avisar do perigo e nos torna humanos. A dor. Ser imune à dor é um problema grave, silencioso, a ponta de um iceberg. Sem dor não existiria cultura, arte, respnsabilidade ou prazer. Isso conferi depois nos livros. / Porque sentir dor é o castigo merecido por sentir prazer. Ou o prazer é a recompensa por ter sentido dor? Tudo na vida é uma balança buscando o equilíbrio e não podemos ter nenhum dos dois pratos descompensados." (p. 41)

Um tom farsesco ronda toda a história, sugerindo que – assim como nas redes sociais – devemos desconfiar de tudo que Ester está nos contando e também do misterioso homem com quem ela passa a trocar mensagens na internet, prometendo ajudá-la a se livrar dos corpos dos pais. Um livro provocante, no qual Tadeu Sarmento conduz as diferentes vozes narrativas com extrema competência e originalidade para nos mostrar um mundo vazio e constituído somente de aparências, no qual a privacidade acabou, contudo permanecemos cada vez mais solitários.

"Aqui estou. Sou um desgraçado, como você mesma já deve ter percebido. Agora me obrigo a passar o dia vagando nessa porcaria que chamam de rede social, caçando trabalho de chapéu estendido. Ofereço meus préstimos como revisor, analista de originais, 'facilitador' de oficinas literárias online, quer dizer, varo a noite de olho naqueles que ainda não conhecem o lado vergonhoso de minha carreira que, a cada dia que passa, torna-se o lado maior, bem maior. / Pois o que faço atualmente também é vergonhoso. E olha que 'vergonhoso' não é nem um pouco de exagero, pelo contrário. Acho até que é um eufemismo, uma maneira de suvizar as coisas." (p. 113)

Sobre o autor: Tadeu Sarmento é autor de Associação Robert Walser para sósias anônimos e E se Deus for um de nós?, entre outros. Ganhou o II Prêmio Pernambuco de Literatura e o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura de 2016, com Um Carro Capota na Lua, publicado pela Tercetto. Em 2017, conquistou o 13º Prêmio Barco a Vapor, com o juvenil O Cometa é um Sol que não deu Certo, publicado pela Edições SM. em 2020, foi novamente finalista do Prêmio Barco a Vapor, desta vez com dois livros.

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