Luiz Eduardo de Carvalho - Evoé, 22!

Teatro brasileiro contemporâneo
Luiz Eduardo de Carvalho - Evoé, 22! - Editora Patuá - 148 Páginas - Projeto gráfico e diagramação: Luyse Costa - Lançamento: 2021.

Luiz Eduardo de Carvalho é o autor de Evoé, 22!, roteiro de uma peça teatral extremamente rica em referências culturais e também muito bem-humorada, vencedora do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária – 2018 do Ministério da cultura, cujo tema foi os Cem Anos da Semana de Arte Moderna de 1922 e, em sequência, o Prêmio Maria Clara Machado (1º lugar) no Concurso Internacional de Literatura da União Brasileira dos Escritores, assim como o Prêmio Aldemar Bonates no Concurso Literário Cidade de Manaus, referente ao período de 2019/2020.

A peça, definida pelo autor como "uma tragédia de costumes modernistas em dois atos", é ambientada em janeiro de 1922, poucos dias antes da famosa Semana de Arte Moderna de São Paulo que reuniu artistas plásticos, escritores e músicos com propostas de renovação em suas respectivas áreas de atuação, buscando a ruptura com o passado. Entre os principais nomes constavam Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Menotti Del Picchi e Heitor Villa-Lobos, para citar apenas alguns. Contudo, Luiz Eduardo não se limita às referências culturais nacionais, apoiando o seu texto em Freud, Marx e Baumann, allém de uma trilha sonora inspiradora, de Debussy a Stravinski com ecos do Trenzinho Caipira. 

Neste contexto, três personagens organizam um evento paralelo de contestação ao modernismo. O Dr. Otto Salgado é o patrocinador, representante de uma elite conservadora que, como em todas as épocas, é refratária a qualquer tipo de mudança. Faustino Sucupira, o artista contratado para criar o espetáculo-manifesto, apresenta uma posição dúbia entre o apoio ao movimento modernista e a influência da cultura tradicional. Diego Mercúrio é um intelectual oportunista que muda a sua orientação estética de acordo com as conveniências do momento. A presença da quarta personagem, a negra e sensual Conceição, alerta sobre o abismo entre a sociedade aristocrática paulista da época e o povo sem o domínio elementar da linguagem culta.

"Verás apenas que, para haver arte moderna, não precisamos destruir tudo o que nos precedeu, meu jovem. Não podemos amaldiçoar a escola que nos educou, tampouco podemos nos desfazer do clássico em busca das novidades passageiras, emanadas das vanguardas que só olham para frente e acham-se inéditas por destratarem a tradição. Infiltram-se novidadeiras nos vãos da ignorância das massas alienadas das artes de antanho e brindam ao desinstruído público garatujas pueris de mulheres com cabelos verdes, homens amarelos, estudantes russas... O que é isso, agora? Ainda que Anita demonstre uma quantidade subliminar aos tons orientais, coisa ainda pior vem das máscaras africanas de Picasso, que os artistas brasileiros já transpõem em ícones mal assemelhados e deformados de nossos indígenas, dos negros importados a este país e, ainda pior, de ambas as proles miscigenadas. Um escândalo sem precedentes!" - Dr. Otto Salgado (pp. 15-6)

Uma questão central da obra é a validade de uma arte cerebral criada por intelectuais para intelectuais, o perigo de um artificialismo tão distante da realidade ou, ainda pior, de uma arte contaminada por uma visão preconceituosa e pretensamente religiosa do mundo como a do Dr. Otto Salgado que imagina Nietzsche como um pederasta, "revisionista ateu por trás daquele descomunal bigode a emprestar-lhe caricata masculinidade", mulheres que "foram feitas para tirar cria e delas cuidar" e a sua aversão às "excrescências cubistas", em sua opinião "exageros simbólicos que remetem às barbaridades que os freudianos querem impor como ciência, esses devassos judeus manipuladores do inconsciente e da sexualidade alheios".

"Agora falta bem pouco. A imensa pressão sobre teus ombros já se dilui! Nosso crescente afastamento aos polos de nossas crenças, experimentado nos últimos dias, dissolve-se na obra que compusemos e assinamos e datamos para a eternidade. Os demais serão consecutivamente esquecidos, talvez apenas não em decorrência da irreverência que marca esse modismo mascarado e barulhento. A Semana de Arte Moderna é apenas um Carnaval de uma lagarta aristocrática a exibir suas novas e coloridas asas burguesas num espasmo final de metamorfose. Nesse reino, contudo, eles são meros foliões e tu o único e eterno coroado Momo, com um braço dado à modernidade e o outro segurando o cetro da tradição! Seremos imortais , meu irmão, imortais. Nós dois, lado a lado. Evoé, Faustino Sucupira! Evoé!" - Diego Mercúrio (p. 30)

Faustino tem a visão da falência de um modernismo assustador, no qual chegaremos à era da reprodução em massa e tudo será reproduzido, até mesmo a arte. As pessoas enviarão mensagens públicas de suas "ilhas de solidão" e nesse dia – tão semelhante à nossa época – a modernidade terá sucumbido: "A marcha do individualismo causará a solidão, niilismo, hedonismo, consumismo, tudo equalizado em um comportamento reativo uníssono de busca pelos produtos do capitalismo que aliciará cada vez mais e mais consumidores contumazes devido suas carências. Esta será a derradeira secreção purulenta da modernidade que a sufocará de forma cabal, no âmbito local e mundial e, quando cada aldeia tornar-se global e aculturada, feita por solitários unidos apenas pelos simulacros de si mesmos, já não haverá identidades, senão uma única projeção reduzida à tábula rasa da média medíocre e condicionada pela chancela da aceitação e pela busca desenfreada por popularidade."

"Ah, que mundo líquido e paradoxal teremos, pois a privacidade e a intimidade serão as mais públicas de todas as coisas. As pessoas todas serão poetas sem metáforas e declararão as mais íntimas aflições em versos literais como nos diários de apontamentos de adolescentes de colégio, porém sem o segredo dos cadeados. Farão tudo solitária e publicamente, a fim de evitarem os transtornos das relações e dos convívios que já não serão medidas senão pelo choque dos interesses pessoais  e do poder de desejo de cada uma delas. Exporão as vísceras, quem sabe os corpos, como essas moças nuas dos cartões franceses, porém não com intenção pornográfica, mas tão-somente a fim de estabelecerem um contato de intimidade que não há, que não houve e que, quem sabe assim, em alguma instância de suas fantasias dissociadas, poderá haver." - Faustino Sucupira (p. 92)
Teatro brasileiro contemporâneo
Sobre o autor: Luiz Eduardo de Carvalho sempre atuou na intersecção entre Cultura, Educação e Política, tendo emprestado da Comunicação Social as ferramentas para as pontes. Foi professor de teatro, de redação, publicitário, jornalista editor na área de cultura, gestor executivo de projetos culturais. Desde 2015, dedica-se exclusivamente à produção literária. Publicou também: O Teatro Delirante (2014 – poesia erótica e lírica) pela Editora Giostri; Retalhos de Sampa (2015 – poesia) pela Editora Giostri; Sessenta e Seis Elos (2016 – romance histórico) pela Fundação Cultural Palmares – MinC; Xadrez (2019 – romance epistolar) pela Editora Patuá; Quadrilha (2020 – novela) pela Editora Patuá e Frasebook (2020 – aforismos) pela Edições Karnak.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Evoé, 22! de Luiz Eduardo Carvalho

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