Bruno Gaudêncio - Blues e minotauros
Os poemas de Bruno Gaudêncio lidam com a metaficção – "Escrevo um poema / sobre o ato de não / escrever um poema" – e surpreendem pela polifonia, inspirada por uma multiplicidade de influências literárias, que podem variar de Mallarmé até Patti Smith ou de Raymond Carver até Carlos Drummond de Andrade, como bem expresso em seus versos: "Sou tantos / que não sou nenhum / dos tolos todos / que sempre fui" Nesta improvável combinação de encruzilhadas e labirintos é que a poesia de Bruno Gaudêncio busca inspiração para revisitar algumas das regiões mais ricas do nosso imaginário, seja no Delta do Mississipi ou na ilha de Creta.
Divido em duas partes (Há um blues dentro de mim e O labirinto é um monstro guardado), os quarenta poemas reunidos foram criados entre os anos de 2018 e 2020 e, principalmente na segunda metade do livro, trabalham com a imagem da morte e do suicídio, principalmente pela influência da recente e trágica pandemia, tão marcante na nossa memória coletiva, descrita nos versos de Ruas vazias: "um corpo / implodido / por um / meteoro / microscópico / tsunami / interno [...] um corpo / que sendo corpo / assusta / os outros / corpos / de sua infinita / cidade / isolada / e inerte" Deixo com vocês três exemplos da poesia de Bruno Gaudêncio.
Uma noite de guerra
Para Walter Benjamin
Viver significa deixar
ruínas
cacos guardados
na memória
um projeto de luz
nos escombros
de uma noite de guerra
o futuro é o recomeço
que os olhos enceram
um mapa na altura da terra
um corpo que encara uma guerra
guerra de sonhos
guerra de dores
guerra de guerras
o passado escondido na tela
o cérebro a pisar na esfera
o libido a lutar contra a fera
a foice no instante na sela
Olhos fixos
Ontem
morreu de frio
um homem
no rio pequeno
no rio pequeno
morreu o frio
de um homem
ontem
morrreu no rio
pequeno
um homem
frio
um pequeno rio
frio
morreu
no homem
ontem
morreu de frio
um homem no
rio pequeno
Setembro amarelo
Se me mato, não é para me destruir, mas
me reconstituir" (Antonin Artaud)
Coleciono
suicidas
em meus cadernos
imaginários
listo formas
grifos
as exóticas
com tinta
vermelha
tenho simpatia
principalmente
por aqueles
afligidos por traumas
coletivos
afligidos
como guerras
e genocídios
porém
os que mais gosto
são os que se jogam
em vulcões
sem dizer nada
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