Caio Bulla - afiado, asfixiado, aficcionado
Certos livros já nos surpreendem a partir do título, como é o caso da antologia de poemas de estreia de Caio Bulla, uma obra inspirada por poetas tão distintos quanto Paulo Leminski e Carlos Drummond de Andrade. Contudo, Caio soube, assim como seus mestres, encontrar a própria forma de falar dos mesmos e antigos questionamentos, coisas como o amor, a vida e, por que não, a morte; derradeira asfixia que irá privar o nosso organismo do processo repetitivo de inspiração e expiração. A literatura é sempre um exercício de redenção, principalmente em tempos sombrios, como resume o autor em seu prefácio: "[...] percebi ser preciso transformar constantes desalentos em matéria para a construção de uma sociedade cujo fim último não seja a morte, mas sim a igualdade, o bem-estar de todos, o respeito a justiça e a equidade social".
Os poemas foram reunidos em duas grandes partes: asfixiado e aficionado. Na primeira, são apresentadas diferentes percepções sobre a ansiedade de sobreviver em um país sem empatia, "o mundo é um atentado com muitos suspeitos", no qual os dias se transformaram em uma rotina burocrática on-line de redes sociais. Só nos resta aprender surpresos como, às vezes, é preciso "sangrar para parar de sangrar". Já em aficionado, os poemas são mais leves e falam de paixão, de "olhos-luz que me cegam" e outros versos afiados como este: "os pequenos objetos e os grandes monumentos me lembram você". Deixo alguns exemplos do trabalho de Caio Bulla, com a certeza de que, como no poema dedicado a Paulo Leminski, "distraídos venceremos".
meu silêncio me denuncia
serei muito tempo
mas meu tempo já se foi
o grito que não dei hoje
a força da minha falta
matou tanto ontem
tanto antes
quanto sempre
é preciso
cortar a carne
como é respirar
fundo
atingir órgãos vitais
sangrar para
parar de sangrar
tatuagem
os jovens tatuados com a vontade de mudar o mundo
são os futuros velhos de camisa manga longa
para esconder aquele desenho imundo
data de validade
Pau-lo-ei (à La Minski)
distraídos
venceremos
merrecas
dá-me uma alma em branco
estou de partida
em meu peito mora o solavanco
das passagens de ida
me fazendo um louco saltimbanco
de modo suicida
tudo foi dito como pôde ser
dito em silêncio
silencioso grito
mínimo
eu desisti nos mínimos detalhes
de toda sapiência humana
eu, que começo uma jornada
trêmulo, inseguro
dando incertas sem precedentes
sem previsões
dizem de mim, me comparam
frio e forte
ah, sim, doce ironia
sou o frio das asas de Ícaro
ou um Sansão de peruca
eu sei
ser consciente da minha loucura
ainda me faz ser tão louco assim?
sou um louco que não cabe em mim
eu vomito uma corda sem fim
amarrada a um mundo
mundo este que (a)cabe, enfim [...]
sem título
seus olhos são olhos de nunca antes
e do que está por vir
são estes olhos olhos retirantes
aqueles que o porteiro informa
acabaram de sair
olhos dos quais a única norma
é não ter regra pra existir
seus olhos são a peça que me prega
esta pressa inútil de fugir
porque seus olhos, ou o jeito que me olha
são olhos que me dão asas
e ao mesmo tempo são gaiola
são olhos-luz que me cegam
mas também me fazem ver
que a gaiola é minha casa
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