Vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura 2022
Na categoria de "Melhor Romance do Ano de 2021" o gaúcho radicado em São Paulo, Antônio Xerxenesky levou o Prêmio São Paulo de Literatura com a obra Uma tristeza infinita, da Editora Companhia das Letras, e a paulista Rita Carelli venceu na categoria “Melhor Romance de Estreia do Ano de 2021”, com o livro Terrapreta, da Editora 34.
Rita Carelli nasceu em São Paulo. É escritora, atriz, diretora de cinema e de teatro e ilustradora. Estudou letras na Universidade Federal de Pernambuco e teatro na Escola Internacional de Teatro Jacques Lecoq, em Paris. É colaboradora da ONG Vídeo nas Aldeias, com a qual realizou a coleção de livros-filmes para crianças Um dia na aldeia (2018). É também autora dos livros A história de Akykysiã, o dono da caça e Minha família Enauenê (2018), que foram contemplados com o selo internacional “White Ravens”, da Biblioteca de Munique, e o de “Altamente Recomendável” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.
Antônio Xerxenesky nasceu em Porto Alegre, e radicou-se em São Paulo. Escritor e tradutor, é autor de, entre outros, As perguntas (Companhia das Letras, 2017). Foi escritor residente do International Writing Program, na Universidade de Iowa (Estados Unidos), em 2015, e da Fondation Jan Michalski, em Montricher (Suíça), em 2017. Sua obra foi traduzida para os idiomas francês, espanhol, italiano e árabe.
Conforme divulgado pela organização, neste ano a premiação alcançou a marca recorde de 317 inscritos, comparado ao ano anterior, quando houve 281. As inscrições foram de diversas regiões do Brasil e outros países, tais como: Reino Unido, Portugal, Itália, Espanha, França, além dos Estados Unidos. Segue abaixo a resenha de Uma tristeza infinita publicada no Mundo de K.
A inspiração para o livro veio da residência literária oferecida para o autor pela Fundação Jan Michalski em 2017 na pequena localidade de 900 habitantes chamada Montricher no cantão de Vaud, Suíça. Na época, a intenção de Xerxenesky era escrever uma história sobre São Paulo mas, só após o retorno ao Brasil, percebeu que deveria ambientar o romance nesta mesma região. Logo, o hospital psiquiátrico, imaginado por ele, fica ao lado de um bosque no qual o protagonista Nicolas projeta alguns de seus medos decorrentes do próprio estado de depressão, cada vez mais evidente após as conversas com seus pacientes em sessões de terapia que se opõem aos tratamentos à base de eletrochoque da época.
"A enfermeira, desobedecendo às ordens diretas de seu superior, contou Nicolas à esposa Anna, foi até o depósito onde guardavam os objetos pessoais dos pacientes, localizou as sete medalhas e, no silêncio da noite, caminhando sem sapatos pelo assoalho de madeira, voltou e as entregou em um saco de papel pardo. L. puxou uma medalha em forma de estrela e seus olhos se encheram d’água. A enfermeira sorriu. Ele, então, cravou a estrela com toda a força no pescoço. A enfermeira demorou a reagir, de tão estupefata. A estrela girava na pele do paciente, que depois a retirou e voltou a golpear o próprio pescoço, determinado. Ela agarrou o braço dele, mas sua força era ínfima perto daquele soldado. Aos gritos, conseguiu chamar o vigia da clínica, que correu até ela e a ajudou a imobilizar o paciente." (p. 16)
Uma outra surpresa neste romance de Xerxenesky é a riqueza de referências culturais e científicas da época, seja na área da literatura (homenagem ao escritor suíço Robert Walser que foi tratado de esquizofrenia no sanatório de Herisau), física (citações a Einstein, Wolfgang Pauli e Paul Dirac) e, é claro, à psicanálise (Freud e Jung) com destaque para a "crise de fé" dos psicanalistas frente às primeiras drogas contra a depressão, como o diretor da clínica resume bem no diálogo com Nicolas: "Todos os psiquiatras passarão por isso com essa descoberta. Vão achar que serão substituídos por neurocientistas. Que a discussão se restringirá a qual hormônio atua na amígdala. Talvez isso aconteça, de fato. Os psiquiatras medicamentosos serão os novos materialistas, e o nosso Freud será visto da mesma maneira como olhamos para Jung agora, como um charlatão místico. Ninguém pode prever o futuro."
"Como somos cegos, todos nós, horrivelmente cegos, e estúpidos, e burros, Nicolas pensou muitos anos depois, na Suíça, quando se lembrou do pai, de repente, quando se deu conta de que o suicídio era uma causa de morte tão frequente, o que não deveria ser, mas todos somos tristes, terrivelmente tristes, e estamos imersos nessa tristeza infinita, cósmica, uma tristeza do tamanho do universo ou do espaço vazio dentro do átomo, e pensou que pelo menos agora estava na Suíça, estava em um país neutro, em um país imune à história, e que agora estava livre, agora a história não mais o perseguia, a Suíça era a-histórica, atemporal, isolada, blindada, e não percebeu como continuava ingênuo, tão estupidamente ingênuo." (p. 151)
Em contraponto ao tema da psicanálise, Anna, a esposa de Nicolas, passa a trabalhar em Genebra com um grupo de pesquisa, ou conselho nuclear, formado por grandes físicos para discutir a estrutura da matéria, um tema delicado após a Segunda Guerra Mundial e o trauma provocado pelo absurdo e violência das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. Afastando-se da literatura de gênero, Uma tristeza infinita é uma obra de cunho realista, resultado de intensa pesquisa histórica nas áreas de física e psiquiatria, assim como suportada por diálogos inteligentes e muito bem elaborados, uma ótima recomendação de entretenimento e que também nos ajuda a refletir sobre a necessidade de posicionamento político e a responsabilidade sobre nossas escolhas.
"Foi o que o diretor disse. A imensa maioria da população apoiou Hitler e todos seus correligionários. Claro, ninguém o elegeu para que ele invadisse a Polônia do dia para a noite. Mas todos os seus eleitores sabiam muito bem das posturas racistas e antissemitas de Hitler, afinal, ele nunca tentou escondê-las. Pelo contrário, foi alçado ao poder proclamando seu racismo em qualquer cervejaria. Os alemães não apenas aceitavam isso, como adoravam aqueles discursos. Assim como os austríacos, que celebraram sua chegada com uma grande festa na Praça dos Heróis. E assim como muitos cidadãos suíços, provavelmente, ainda que o país tenha mantido sua neutralidade oficial. Esses suíços aplaudiram seus discursos em silêncio, seguindo suas rotinas ordinárias e jamais reclamando para ninguém, apenas ouvindo as notícias da rádio com um sorriso no rosto. É um fato da vida. E continuam aí, andando pelas ruas, educando seus filhos à sua maneira." (pp. 215-6)
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