Caléu Moraes - As aventuras de Lorde Nélson

Literatura brasileira contemporânea
Caléu Moraes - As aventuras de Lorde Nélson - Design Editora / Editora da Casa - 408 Páginas - Projeto gráfico e editoração de Marília Knoll Bitencourt - Lançamento: 2021.

Polêmico, burlesco ou politicamente incorreto são possíveis definições para este livro do professor e escritor catarinense Caléu Moraes. Contudo, nenhuma delas me parece totalmente adequada. Trata-se de uma obra farsesca a começar pelo inusitado título que remete ao célebre oficial britânico, mas sem qualquer relação com a presente narrativa. Na verdade, nesta trilogia única, Lorde Nélson é conhecido por ser o melhor autor do estado de Santa Catarina, um misterioso personagem que se confunde com o narrador-autor em um exercício criativo de intertextualidade, misturando ficção e realidade em uma trama delirante cujo objetivo final é compor uma sátira ao modelo do mercado editorial a partir de escritores reais e imaginários.

A primeira parte é narrada por um protagonista não nomeado pra lá de politicamente incorreto, professor universitário de economia que ganhou muito dinheiro com algumas publicações, ele coleciona uma série de preconceitos e desvios de caráter: machismo, homofobia e antissemitismo, para citar somente alguns. Enquanto procura por Lorde Nélson, resolve pagar uma série de vietcongues para escrever por ele uma História da Literatura de Santa Catarina: "Cinquenta centavos de dólar por página... porque sou astucioso e meu cérebro é espesso, mas leve, parecendo com borboletas, parecendo com raios! Vou lhes ditar um prefácio, um que outro parágrafo e todo o resto elas farão, suando como porcas nas barracas de campanha."

"Que ideia maluca a de escrever uma História da Literatura de Santa Catarina! O trabalho, escrevera Lorde Nélson em artigo virulento, tinha de ser o dum satirista. Eu, porém, leitor assídulo de Keynes, ou do maluco que queria fazer trens a torto e a direito, ou do italiano que fazia gestos obscenos para Wittgenstein!, ou de Rosa Luxemburgo; eu, que tenho o jovem Marx tatuado na perna, de repente, no capô dum carro preto, exibindo a camisa de linho branco, parecendo um yin yang, resolvi escrever uma História da Literatura de Santa Catarina. Com o tempo, habituado ao perigo da minha retórica, arrisquei uma pergunta: por que não? Diabos, dominava o rigor da análise econômica e tinha paixão pelo tema; além disso, o mais importante, algum dinheiro. E, já estava divagando, para terminar a minha obra, para o meu capítulo final, arranjaria uma entrevista com o melhor escritor de Santa Catarina." (p. 23) - Trecho da primeira parte: Lorde Nélson

Na segunda parte conhecemos um pouco melhor a biografia de Lorde Nélson, contada por ninguém menos do que o escritor catarinense Carlos Henrique Schroeder que se transforma em um segundo personagem-narrador. Neste ponto do livro ocorre uma profusão de citações sobre autores nacionais e internacionais, tais como Salman Rushdie que sofre um atentado planejado pelo próprio Lorde Nélson. Em paralelo, as aventuras sexuais do melhor escritor de Santa Catarina são detalhadas, entre elas uma relação com uma menor de idade que tem tendências suicidas. Um roteiro pornográfico sobre a vida íntima de Dante Alighieri se apresenta como uma solução para ganhar algum dinheiro em um deprimente e trágico final para Lorde Nélson.

"Há vários anos fui jurado dum concurso de contos. Meus colegas e eu demos o prêmio para O deus da piroca, livro de Lorde Nélson. São textos curtos e acelerados, quase sempre engraçados, em que o narrador, um autor de trinta anos, erudito e ninfomaníaco, persegue a escritura dum romance brasileiro. Os concorrentes estavam longe da qualidade de O deus da piroca. Todos os jurados concordamos. A decisão, reforço, foi unânime. Não houve momento de dúvida. Era o seu primeiro livro que, ao fim dum ano, apareceu publicado. A capa era bonita: vermelha e rosa; havia também um homem barbado. As pessoas perguntaram se era correto que publicássemos autores machistas. Todos sabemos que a ironia não funciona com os espíritos estúpidos, logo não nos ocupamos em explicar que os benfeitores da literatura, os que sopram vida em seus pulmões abandonados como casas velhas, são os autores irônicos. Foi assim com Cervantes ou Rabelais. E, também, com Lorde Nélson. O livro é magrelo, mas serviu para anunciar as obras que viriam, entre as quais o belíssimo O fim do alquimista, um diálogo erudito e progressista com a obra de Paulo Coelho." (p. 253) - Trecho da segunda parte: O bando de Lorde Nélson

Na terceira parte do livro, a menor da trilogia, um novo narrador vem questionar o que foi escrito anteriormente sobre Lorde Nélson, definindo a biografia escrita por Carlos Henrique Schroeder como "oportunista e frívola". Este é um livro desafiador e que requer bastante comprometimento do leitor, contudo muito recompensador quando entramos no ritmo da prosa de Caléu Maoraes, muito recomendado para aqueles que persistem na literatura: "Por que diabos empreendi a escritura duma História da Literatura de Santa Catarina? Por que as pessoas fazem este tipo de coisa? Por que um velho que, há poucos meses, abriu o peito para consertar o coração, resolveu que deveria gastar as economias na produção dum livro que poucos vão ler?"

"Estou determinado a corrigir o o diário de Carlos Henrique Schroeder. O livro, a primeira biografia de Lorde Nélson, pareceu-me não só oportunista, mas frívolo. além disso, é lacunar e, às vezes, delirante. Por exemplo: a certa altura do texto Carlos informa que o autor se transformou em um tipo de pássaro, a meio caminho do galo e da águia. Ora, é improvável: se foi aceito nas rinhas, não podia ostentar a envergadura duma ave de rapina. Vamos com calma, no entanto. Meu livro, ao contrário do de Carlos, é linear e ordenado. Restam-me dois volumes: O Diário de Carlos Henrique Schroeder e Totem e Tabu. Com estes, e fugindo às armadilhas da memória, resgatando apenas eventos verossímeis, posso ajustar, como se faz com um relógio, uma verdadeira vida de Lorde Nélson, livre, desta vez, do martelo da inveja de Carlos Henrique Schroeder; se o bordão da primeira biografia é 'Lorde Nelson, um louco', meu escrito quer dizer: 'um romancista mais ou menos e o último pensador do materialismo'." (pp. 396-7) - Trecho da terceira parte: O corpo humano de Lorde Nélson

Literatura brasileira contemporânea
Sobre o autor: Caléu Nilson Moraes é professor e escritor. Graduado em História, fez mestrado em Antropologia Social e doutorado em Estudos da Tradução. Venceu o concurso de Contos Silveira de Souza da Universidade Federal de Santa Catarina e publicou, entre outros, "Guia literário para machos", "Declínio e queda de mim mesmo" e "A morte do alquimista". O seu livro "As aventuras de Lorde Nelson" foi selecionado pelo Prêmio Elisabete Anderle de Apoio à Cultura - Edição 2020, e publicado com recursos do Governo do Estado de Santa Catarina, por meio da Fundação Catarinense de Cultura.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para acessar o site da editora de As aventuras de Lorde Nelson de Caléu Moraes

Comentários

sonia disse…
Bem complicado. Bom para quem gosta de rachar a cuca. Eu já prefiro um bom quebra-cabeça ou palavras cruzadas....kkkkk
Alexandre Kovacs disse…
Oi Sonia, boa definição, é de rachar a cuca mesmo! Obrigado por comentar.

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