César Amorim - Decaídos: Entre Anjos e Sombras

Literatura brasileira contemporânea
César Amorim - Decaídos: Entre Anjos e Sombras - Editora Penalux - 134 Páginas - Editoração eletrônica e capa: Karina Tenório - Lançamento: 2023.

A epígrafe certeira de Edgar Allan Poe: "O terror dos meus relatos advém da obscuridade do meu coração", nos dá uma boa pista sobre o estilo fantástico ou sobrenatural que estamos prestes a acompanhar nos oito contos reunidos neste lançamento do roteirista César Amorim. Narrativas nas quais os sinais de perversão e crueldade não se enquadram exatamente na definição judaico-cristã de anjos como mensageiros de Deus, escapando ao controle moral da família e da sociedade em um universo transfigurado, o qual, no entanto, percebemos não ser tão diferente assim da nossa própria realidade. Na verdade, os anjos imaginados pelo autor estão mais próximos de Lúcifer, expulso do paraíso e normalmente identificado com o Diabo.

Os protagonistas, apesar de suas belas asas, incorporam o lado sombrio da natureza humana, que os transforma algumas vezes em psicopatas e em outras em instrumentos involuntários do mal, um destino do qual são incapazes de escapar. César Amorim, utiliza a estratégia de conectar alguns personagens entre as diferentes narrativas curtas isoladas que se transformam dessa forma em novelas, renovando o interesse do leitor. No conto de abertura, A escolhida, Regina é uma jovem com poderes paranormais que perde a mãe e as irmãs, soterradas por um deslizamento de encosta na favela. Ela passa a morar somente com o pai após a tragédia o que resulta em uma gravidez indesejável, tendo sido o incesto induzido por uma entidade diabólica.

"Eram exatamente quatro e meia da tarde quando Regina perdeu sua família. O barraco todo foi ao chão. O desabamento aconteceu diante de seus olhos. Talvez tenha ouvido, não se recordaria direito mais tarde, os gritos de sua mãe e irmãs dentro dele. Uma montanha de barro e rochas deslizou sobre ele, transformando sua casa em um amontoado de terra vermelha e pedras gigantescas. O rio vermelho do barro misturado com a água da chuva veio com força sobre os pés de Regina, parada, imóvel na ladeira escorregadia. Parada onde estava, ela só conseguia pensar em uma coisa: sua vida. Agora sim, viveria num inferno legítimo. Aquele dia vermelho não deixava dúvidas. O barro, o sangue, o seu inferno. Só o diabo suportaria o que já era insuportável. / Saindo do torpor momentâneo, percebendo que não conseguiria remover todos aqueles destroços sozinha, correu ladeira abaixo, correu muito, com muita vontade de chegar a algum lugar onde houvesse uma esperança para sua família, onde pudesse encontrar alguém que a ajudasse, que a salvasse do destino que se desenhava diante de si. / Correu, deixando no caminho o rastro de sangue que, infelizmente a acompanharia até o fim de sua curta existência." (p. 15) - Trecho de A escolhida

Já em Sr. Bovary, Abílio Peçanha é mais conhecido na crônica policial como "Psicopata da Cabeça", um serial killer que procura reencontrar o seu primeiro amor. Nesta busca, o nome da vítima pode representar a sua sentença de morte: "Quando Abílio Peçanha conheceu Clara, achou que seu nome não combinava com o dela e, para ela, era Carlos. Clara nunca soube o verdadeiro nome do namorado, nem mesmo quando estava sendo estrangulada por ele e tendo a cabeça decepada." A rotina de assassinatos continua em diversas cidades até que Abílio encontra uma mulher com nome compatível e interrompe a matança desenfreada. Após algum tempo, a violência acaba retornando, mas dessa vez as vítimas do passado virão se vingar.

"Foi tudo muito rápido. Com enorme agilidade, Abílio puxou Emma pelo pescoço e a estrangulou na frente das crianças, que, desesperadas, quando seus pés obedeceram ao clamor dos seus cérebros, correram para o quarto na tentativa de se livrarem da morte iminente. / Em vão. / Abílio foi atrás delas e, uma por uma, após desferir socos e pontapés que as mantiveram desacordadas, também as esganou. Calmamente, então, foi até a cozinha e pegou um facão bem-amolado. Como um robô, que segue meticulosamente o que foi programado, cortou os pescoços de todas, com tamanha habilidade, que deixaria um exímio açougueiro impressionado. Foi dar o último talho no pescoço de uma das gêmeas, fazendo a cabecinha loira rolar de cima dos ombros, que sentiu que não estava mais sozinho no ambiente. / Ao seu redor, apesar da intensa luminosidade do apartamento, sombras se formavam e assumiam, aos poucos, formas humanas, formas que Abílio acreditava que jamais tornaria a ver. Formas de todas as mulheres que foram suas vítimas!" (pp. 51-2) - Trecho de Sr. Bovary

No conto A beleza suprema, a jovem Ludmila carrega uma maldição que provoca a morte por onde ela passa, na verdade um lindo par de asas que esconde com o sobretudo: "Quando Ludmila bateu suas asas e se afastou da sua comunidade, ela não tomou conhecimento da destruição que a sua simples existência causara. A beleza arrebatou todos aqueles que tiveram o privilégio, ou a desgraça, de olhar para a menina alada." A condição de Ludmila é na verdade uma cruel condenação à solidão porque ninguém conseguirá sobreviver à sua estonteante beleza. 

"Primeiro veio a lágrima. Apenas uma. Fortuita. Cor de sangue. Depois outras e mais outras. Em pouco tempo, dos olhos de Danilo jorrava a cor vermelha. Ele suspirou. Levantou as mãos ao céu. Depois as trouxe até seu peito. Estava em êxtase absoluto. Sua respiração tornou-se acelerada, seus lábios exibiam um sorriso indecifrável – uma mistura nebulosa de horror, dor e deslumbramento. Ludmila não se mexia, mas suas asas gigantescas balançavam graciosamente, levantando, de quando em quando, os cabelos lisos e um pouco compridos de Danilo. / Em questão de segundos, o rosto do rapaz perdeu a cor. Ficou subitamente pálido. Ele escancarou a boca, revirou os olhos, parecia que atingia um gozo tão poderoso causado pelo deslumbramento, pela beleza arrebatadora, que conduziu o pobre rapaz para a morte." (p. 111) - Trecho de A beleza suprema

Literatura brasileira contemporânea
Sobre o autor: Nascido em Natal/RN, César Amorim é roteirista e dramaturgo. Graduado em Engenharia Civil e pós-graduado em Arteterapia, foi um dos roteiristas das séries de sucesso: Tapas e Beijos, Cine Holliúdy e Chapa Quente, todas na TV Globo. Foi redator final da série Vai Que Cola, no Multishow, além de ser um dos roteiristas da série Nada Suspeitos, na Netflix, e da série B.O., já em produção, também para a Netflix. em 2023, participa de três antologias literárias.

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