Flavia Kaiser - Prece de Pescador
Em seu romance de estreia, Flavia Kaiser nos apresenta uma narrativa leve em ritmo de roteiro cinematográfico, para contar as idas e vindas de uma relação amorosa complicada, como todas elas são normalmente. Os protagonistas, Diana e Gabriel, se aproximam e afastam ao longo de uma década, mostrando como esse fenômeno incontrolável que convencionamos chamar de destino, pode ser decorrente de uma série de escolhas, algumas influenciadas pelo preconceito e nem sempre conscientes, ou, simplesmente, resultado do puro acaso. No final, o sentimento verdadeiro é aquele que permanece, apesar dos erros cometidos e das turbulências da vida.
O encontro de Diana e Gabriel, ambos adolescentes estudando para o vestibular, acontece em uma ilha paradisíaca em Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Ela, vindo passar uma temporada com a avó depois da morte trágica da mãe e ele um típico morador local, filho de pescador. Gabriel é um jovem negro que passa por muitas situações decorrentes do racismo estrutural da nossa sociedade. O preconceito do pai de Diana faz com que ela mantenha o relacionamento em segredo, o que acaba afastando o casal quando ela vai estudar em São Paulo e Gabriel no Rio.
"Uma tarde, sozinhos entre as pedras e as flores, Diana se despiu e pulou no mar. Gabriel a observou, absorto, por alguns segundos, e a seguiu. Dentro do mar, tentou beijá-la; ela fugiu de suas mãos, jogou água nele, fingindo desdém. Depois do mergulho, deitaram sobre a pedra, um ao lado do outro. Gabriel disse, um bocado inseguro, Tenho vontade de beijar teu corpo todo, Gringa linda... E aquela voz doce fez carinho no ouvido dela, um toque macio que descia pelo pescoço, fazendo cócegas. Diana se virou para ele, apontando para a garganta, Beija aqui? Ele aproximou o rosto da orelha dela e lambeu a água de sal na pele arrepiada de seu ombro, encostou a cabeça em seu peito, ouvindo o coração palpitar acelerado; acariciou-lhe os seios, Tão macios! Diana esvaziou a mente e botou para fora o impulso, Quero tentar de novo, disse. Vamos pra minha casa, ele sugeriu, animado; ela concordou. Cataram suas roupas e saíram correndo. Só pararam na cama de Gabriel, onde ela se deitou primeiro. Pela primeira vez arriscou olhar para o corpo nu dele (tinha deliberadamente evitado até então). Ele percebeu que o rosto dela queimava, vermelho como pimentão; perguntou, Quer pegar? E ela, caindo na gargalhada, Não! Ele riu também. As risadas devem ter ajudado, porque dessa vez não houve incômodo algum; Diana levou só um sustinho ao perceber os dois corpos já perfeitamente encaixados. Gabriel!, ela sussurrou, os olhos bem abertos, se acostumando com as sensações e os movimentos, a pele úmida das costas dele. Gabriel, repetiu, e ele perguntou, Tudo bem? Ela confirmou com um sorriso." (pp. 38-9)
Diana e Gabriel se envolvem em outros relacionamentos nas suas respectivas trajetórias de vida, mas uma imprevisível torrente de acontecimentos, novamente o destino, irá aproximá-los, mesmo que esse reencontro seja envolvido por muita dor e arrependimento, pelas coisas que não podem mais ser modificadas. Apesar do tom leve do romance, principalmente na parte inicial, a autora toca em alguns temas espinhosos da nossa sociedade que precisam ser combatidos, tais como o preconceito racial, inclusive a reação ao sistema de cotas nas universidades, perseguição religiosa e a violência familiar decorrente da homofobia.
"Dois agentes se aproximaram e sinalizaram para que o carro encostasse. Os dois abriram suas janelas e os policiais se posicionaram cada um de um lado do carro. À frente surgiu um terceiro, mão na arma. Cíntia acendeu as luzes internas e esperou. O primeiro policial deu um rápido boa-noite. Tudo bem aí, moça? / Mantendo as mãos ao volante, Cíntia leu Gomes no uniforme do homem, devolveu o cumprimento e afirmou que sim com a cabeça. / Documento do veículo e habilitação, por gentileza, / Ela atendeu com um gesto lento da mão direita. / E o sujeito no banco de passageiro? / É meu namorado, ela respondeu, a voz oscilando. / O segundo policial, ao lado de Gabroel, deu uma risada incrédula e irônica para o colega. Bateu com o cano da arma na porta e disse, Mãos na cabeça, desce do carro." (p. 84)
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