José Nascimento - A noite dentro de nós

Literatura brasileira contemporânea
José Nascimento - A noite dentro de nós - Editora Urutau - 80 Páginas
Capa de Victor H. Azevedo - Lançamento: 2022.

Os contos do livro de estreia de José Nascimento têm como inspiração a fragilidade dos relacionamentos na era dos amores descartáveis, a frustração com o trabalho e a violência urbana; fatores que intensificam a angústia dessa "noite" que cresce cada vez mais dentro de nós. A condução das narrativas em primeira pessoa – nem sempre confiáveis, diga-se de passagem – permite ao autor explorar o impasse existencial de seus personagens e nos fazer compreender a solidão de uma época na qual as redes sociais e aplicativos de relacionamentos se multiplicam para aproximar as pessoas e, contudo, atingem um resultado oposto na prática.

No conto de abertura, Tulipas roxas, um casal se reaproxima cinco anos após a separação por meio de um aplicativo. Rafael é o nome do perfil falso que o homem criou buscando corrigir os erros do passado por meio de uma nova personalidade. Ele se arrepende de marcar o primeiro encontro, inventando desculpas para manter o namoro virtual. Já a mulher têm esperanças de que aquela relação possa se transformar em algo real e força a situação de um inevitável encontro presencial que acaba ocorrendo, apesar das postergações. Utilizando duas vozes narrativas, o autor mostra os diferentes pontos de vista dessa triste história de amor moderna.

"Um homem consegue mudar em cinco anos? Olho para trás, e me irrita o homem-pênis que fui, embora reste algo dele, por mais que eu abomine, mesmo que o psicólogo me aconselhe a procurar uma nova pessoa, um percurso alternativo, deixar o passado em paz. Quando leio o que fiz, ela maltratada e preterida, porra, é uma longa ressaca moral, um lento inferno. / Cinema, restaurante, pizzaria, que diferença faria para mim? Ela escolheu o local e o horário do encontro seguinte. Se eu excluísse o perfil e desaparecesse, como antes? O rapaz de costas na praia verdíssima deixaria de existir, cada coisa regressaria a seu lugar. Eu retomaria a vida exata e medíocre (e solitária desde a separação), e ela... ela, não sei. Talvez uma amiga a consolasse, ou talvez conhecesse outro homem, um mais honesto; os especialistas em relacionamentos garantem que as possibilidades sempre existem. / O retrovisor central do carro me mostra um sujeito com uma tristeza mole nos olhos. Afora o nome e mais algumas pequenas mentiras, pequenas e esquecíveis, estou muito próximo a Rafael, ou ele é uma versão melhorada de mim, de tal forma que não compreendo quando ele conclui e eu começo." (p. 11)

O noticiário também serve de inspiração para os contos de José Nascimento, como em "A fogueira", narrado por um protagonista em situação de rua que sobrevive após ser incendiado enquanto dormia; ou "O homem da bicicletinha velha" que mostra o acerto de contas entre o agiota e o desempregado que teme por sua família: "Se o agiota descesse do carro, de arma em punho, e invadisse a casa, haveria uma chacina? O homem não teve dúvidas, desvencilhou-se do abraço da esposa e foi à porta. Não atire, a gente vai conversar, vou sair, gritou. Escondeu a tesoura no bolso da bermuda, única arma disponível, e se dirigiu ao portão."

Um outro exemplo de relação líquida, como definido pelo sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, está no ótimo "Barulho de pia pingando" que mostra como, na velocidade do mundo atual, os parceiros rapidamente perdem o interesse em manter um amor que acaba escorrendo pelas mãos: "As conversas se reduziram ao necessário do cotidiano. Eu preferia o sofá, o silêncio, o afastamento. O divórcio se incumbiu de remover as cascas: agora não precisava mais me preocupar com murmúrios no sono e conviver com a suspeita de ter deixado escapar um nome recriminatório." E, no final, estamos todos conectados e cada vez mais solitários.

"Há noites em que sonho com a aluna de olhos de sono, ou com a que morde os lábios, ou com a do sol particular. Cada uma a seu modo, as três me atraem. Mas assumo que são amores impossíveis. Já me vi obrigado a permanecer sentado durante a aula até transferir meus pensamentos para temas mais acadêmicos. Algum fofoqueiro me chamaria de tarado, seria um escândalo. Não. Estou longe de ser tarado: sou um apaixonado, um romântico. Não pretendo materializar os desejos, não pretendo ir além do que um professor deve. O que mais me atrai não é o desfrutar da carne. Quase sempre os desejos se mantêm no campo da imaginação, da cobiça silenciosa. E, se tivesse relacionamento amoroso com qualquer uma delas, ainda continuaria apaixonado pelas outras. / Eu e minha esposa combinamos de novo um churrasco com meu cunhado e minha prima, no próximo final de semana. Sinceramente, não sei se foi uma boa ideia: nosso casamento piorou após ela se embriagar, no último churrasco, e contar que há poucos dias teve a bunda apalpada por um colega no trabalho. Ela disse que reclamou, mas, no fundo, não era ruim se sentir desejada por um homem nais novo. Temo exagerar na bebida e falar sobre as estudantes. Não posso cometer o mesmo erro de minha esposa." (pp. 24-5)

Literatura brasileira contemporânea
Sobre o autor: José Nascimento é potiguar e atualmente reside em Ipanguaçu/RN, onde atua como servidor do IFRN. Recebeu menção honrosa em 2019 na 4a edição do prêmio literário internacional Novos Talentos, Novas Obras em Língua Portuguesa, organizado pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa — UCCLA. Em 2021, participou da antologia Literatura e Cultura em Tempos de Pandemia, publicada pela editora Guerra e Paz. A noite dentro de nós é seu primeiro livro publicado.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar A noite dentro de nós de José Nascimento

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