Nélio Silzantov - A finitude das coisas
Nélio Silzantov foi finalista do Prêmio Jabuti versão 2023 com o seu livro anterior, Br2466 ou a pátria que os pariu, uma coletânea de contos na qual apresentava múltiplas formas de distopia, desde a concepção clássica de um futuro controlado por regimes políticos repressivos e totalitários até chegar à realidade do tempo presente em um país bem conhecido por todos nós. Neste seu mais recente lançamento, o romance A finitude das coisas, o autor volta a se debruçar sobre um Brasil atual – porém, infelizmente, cada vez mais retrógrado –, abordando questões existencialistas de seus personagens ao contar os encontros e desencontros de quatro amigos: Simmons, Erik, Annibal e Pavarotti, tentando sobreviver em Vitória da Conquista-BA desde os anos noventa até 2013.
Simmons, ou Jeane, é a narradora-protagonista que alterna passado e presente ao resgatar suas memórias em uma sequência não linear no tempo. Um romance de formação que mostra a construção ou desconstrução da personalidade dos jovens durante a adolescência caótica, incluindo aí generosas doses de "sexo, drogas e rock 'n' roll", até as agruras da maturidade e a inevitável finitude das coisas em uma sociedade que ainda define padrões sociais e familiares que "ignoram e deturpam os ensinamentos do deus pelo qual comungam. Como fossem jihadistas numa versão abrasileirada, transcendendo seu ódio inerente às querelas da fé para além das questões etnocêntricas, chauvinistas, xenofóbicas e ideológicas. Conterrâneos que se veem como inimigos a serem combatidos e dizimados."
"Se cada geração traz consigo os germens de sua sucessora e as cicatrizes de de ambas se tornam marcas de nascença indeléveis, me pergunto em que tipo de Frankendtein nossos antepassados nos tornaram e o que há de ser dos nossos descendentes. Família, pátria e religião. Há mais podridão no seio da santíssima tríade do que os que a romantizam queiram testemunhar. Mas aqui estamos. Apesar do nosso sangue jorrando em cada esquina, beco, alameda, rua e avenida. Aqui estamos todos, sobreviventes ou não. Memória vívida de nossos delírios. Entrega total e definitiva da nossa existencialidade. Humanos por definição. Imperfeitos. Condenados a sermos livres. Pela vontade ou pela força. Havíamos chegado até ali, apesar de nós mesmos e de todos ao nosso redor. [...]" (pp.20-1) - Trecho da primeira parte: "Como se fosse ontem"
Uma estratégia narrativa bem conduzida por Nélio Silzantov, autor que não menospreza a inteligência do leitor, é fazer com que sejam apresentadas as emoções e intenções de Erick, Annibal e Pavarotti pela percepção de uma narradora nada confiável, uma vez que Simmons, supostamente o ponto de equilíbrio do grupo, participa juntamente com os amigos de inúmeras transgressões e bebedeiras, nem sempre consciente, portanto, do que está acontecendo e das verdadeiras motivações dos personagens. O que esses jovens, à margem da sociedade, podem esperar de um futuro que se aproxima rapidamente, isolados e sem opções, a existência parece não fazer o menor sentido.
"Houve épocas em que eu temia a morte como um dos males mais horrendos. Noutras, no entanto, desejei-a como se deseja a pessoa amada. Não tenho certeza de quando e por que passei a compreender a questão nestes múltiplos aspectos: desejo e temor. Culpo o ocidente cristão sempre que alguém se presta a confabular comigo sobre o tema. O pavor, a angústia e a tristeza com que encaramos o primeiro compromisso que assumimos assim que nascemos são das piores coisas que herdamos. E me pergunto como uma criança se sente estando prestes a nascer. Segura no ventre da mãe, aterrorizada com o inesperado que se anuncia. O parto deve causar a mesma sensação de morte para os rebentos ao serem arrancados do útero. Pode-se dizer que ainda não nascemos, uma vez que a vida que conhecemos não passa de uma fecundação para outra coisa. Qualquer uma melhor que esta, assim espero. [...]" (p. 126) - Trecho da segunda parte: "A finitude das coisas"
As citações de trechos de letras de algumas bandas dos anos noventa, espalhadas por todo o romance, tais como: Alice in Chains, Megadeth, Soundgarden, Nirvana, No Doubt e L7, são um atrativo a mais, principalmente para os leitores que vivenciaram essa época (assim como eu) e conseguiram chegar até aqui. Estes sobreviventes certamente se identificarão com a citação no posfácio de "Petals" do Hole, grupo formado por Courtney Love, viúva de Kurt Cobain: "The fire burns the flesh / Destroys the past that made us old", simples assim.
"Era um domingo profano, como muitos outros vividos em 2013. Estava longe de tudo e de todos que sempre estiveram presentes em minha vida até ali. Mal sabia que, quanto mais distante, maior seria a dor quando a tua ausência corresse o risco de se tornar definitiva. Deus parecia morto ante tanta miséria, discórdia e terror. Ou pior, como se ele estivesse mais vivo do que nunca. Impiedoso como sempre. Despejando todo o seu ódio sobre a própria criação. Mais genocida e sanguinário do que o bom-deus do Antigo Testamento, apesar de muitos ainda professarem seu santíssimo nome nas praças, rádios e tevês. Arautos da renovação convertidos na face mais vilanesca do ser humano. Hipócritas! Repeti inúmeras vezes a sentença, como se tal palavra fosse um mantra. A fé tornara-se, mais do que nunca, em artigo de comércio; o ópio capaz de fazer invejar qualquer narcotraficante por tamanha eficácia de torpeza e lucro. [...]" (p. 214) - Trecho da terceira parte: "A decadência dos deuses"
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