Jorge Sá Earp - O veranista
O mais recente lançamento de Jorge Sá Earp é uma coletânea de narrativas curtas que têm inspiração no universo homoafetivo masculino e como cenário a zona sul carioca. No conto "O veranista", que empresta o título ao livro, o protagonista aposentado recebe dois hóspedes adolescentes, o sobrinho e um amigo, para uma temporada em seu apartamento em Ipanema no Rio de Janeiro. A convivência com os jovens muda o cotidiano da casa e provoca desejos já adormecidos no anfitrião. O tema da homossexualidade em idade mais avançada, pouco abordado na literatura contemporânea, também é desenvolvido com sensibilidade pelo autor em "Atrás da porta", que nos mostra como pode ser cruel a ilusão de um relacionamento comprado.
Em "A muralha de Ibiza", a vida noturna da famosa ilha espanhola no mar mediterrâneo é o ambiente ideal para o encontro furtivo de turistas em busca de prazer sem compromisso: "Agora estava ali, estendido na areia da ilha de Ibiza, na praia dos Anjos contemplando os diversos tons de azul e verde do mar à sua frente." Voltando ao Brasil, "As cores de uma camiseta" nos mostra as consequências de um improvável relacionamento entre Henrique, que retorna ao país após alguns anos trabalhando no exterior em uma empresa multinacional, e Djanilson, ajudante em uma das diversas tendas que vendem cerveja e alugam barracas na praia de ipanema.
"Voltou para a cama e dentro de um tempo impreciso entre o estado desperto e o sono escutou vozes e estrépito na sala. Abriu o olho que estava para fora do travesseiro e certificou-se da chegada dos rapazes. Aconchegou-se mais entre os lençóis, rebuscou o sono e como este teimasse em não acolhê-lo, sentou-se no leito e prestou ouvidos, como se pretendesse ouvir a trama urdida por piratas no calabouço de um navio. O murmúrio, no entanto, logo se transformou em silêncio. Pé ante pé, Heitor se dirigiu para a porta fechada do quarto contíguo ao seu: curvou-se sobre o buraco da fechadura mas nada pôde distinguir além da escuridão completa. As cervejas na praia talvez e o uísque trabalharam ainda de modo a sufocarem seu sentido de ridículo e a atiçarem a ousadia: abriu lentamente a porta e ali, bem longe, no limiar, contemplou os dois anjos adormecidos seminus." (p. 74) - Trecho do conto O veranista
Já em "Yedda Távora", a biografia de uma célebre atriz de teatro é apresentada em diferentes formatos a partir de notícias da imprensa especializada e entrevistas, tornando o conto um criativo exercício narrativo. Em "O desfile" fica evidente a desigualdade social e os preconceitos em um apartamento da Vieira Souto quando a adolescente Cristina pede que Doralice, a empregada, lhe mostre sua fantasia de passista e a ajude a desfilar na Beija-Flor escondida da família. No final, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco, como bem sabemos.
"A blusa de lamê dourado cintilou diante dos seus olhos pendurada nas mãos de Doralice que a balançava levemente sorrindo. Em seguida mostrou a Cristina o shortinho de cetim branco e aquelas duas mínimas peças foram suficientes para ali no quarto de empregada, cedo de manhã, quando Waldir e a cozinheira estavam trabalhando, a patroinha exprimir o seu enorme desejo de sair na Beija-Flor. A reação de Doralice foi uma gargalhada, um pouco forçada, e o atirar da cabeça para trás, além da promessa seguida de realizar o desejo de Cristina falando com os chefes de ala. Ela vibrou. / Chegou setembro e começaram os ensaios. Debaixo do maior segredo entre elas, pois os pais não podiam nem sonhar, as duas seguiam para Nilópolis. Cristina pretextava à mãe festa com as amigas." (p. 95) - Trecho do conto O desfile
"Um baile no Copa" na minha opinião é o melhor conto do livro, reunindo a nata da alta sociedade carioca, famosos colunistas da época e personalidades famosas como: Marlene Dietrich, Orson Welles, Ursula Andress entre outras. Um jornalista sem muita experiência na área é chamado a cobrir o evento e depois de alguns tropeços profissionais acaba conseguindo trocar confidências com ninguém menos do que Lauren Bacall: "Caminhei até o bar da piscina e pedi um Bourbon. Tinha de ser um Bourbon, em homenagem a Faulkner e todo aquele sul romântico cortado pelo Mississippi e acalentado por jazz e blues. Lauren Bacall tinha conversado comigo. [...]"
"Aluguei um summer, combinei com o Alazão e nos mandamos para o Copa no sábado de carnaval. No carro fui me lembrando do que o Rogério tinha me falado à beira da piscina, aquela espécie de preleção que resumia as palavras que ele ia dirigir no fim daquela tarde aos demais jornalistas numa conferência na sala do primeiro andar: as personalidades do mundo artístico e político, os famosos, que vieram ou estavam chegando ao Rio para desfrutar o carnaval carioca, não deviam ser importunados; eles vieram para se divertir – o que era evidente mas em se tratando de jornalista nunca era demais enfatizar – Rogério frisou. Podíamos tirar fotos à vontade na entrada mas dentro do salão de baile devíamos nos esforçar para sermos parcimoniosos. Podíamos nos dirigir, sim, a algumas estrelas da festa porém com perguntas breves e de preferência nos saguões do hotel, dada a relativa comodidade de espaço e menos dificuldade de audição, em vez de tentar a proeza de fazê-lo dentro do salão de baile. [...]" (pp. 139-40) - Trecho do conto Um baile no Copa
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