Jacques Fux - Nobel
Jacques Fux - Nobel - Editora José Olympio - 128 Páginas - Lançamento: 02/04/2018.
Este ano fomos surpreendidos pela declaração da tradicional Academia Sueca sobre o cancelamento do prêmio Nobel de literatura de 2018 devido ao escândalo envolvendo integrantes da organização com denúncias de assédio sexual e suspeitas de corrupção. Muitas críticas já foram feitas no passado à Academia pela falta de transparência nos critérios de escolha, assim como pela influência política e econômica nos resultados em detrimento do valor literário das obras, como demonstra a concentração de laureados em língua inglesa, francesa, italiana e alemã, fato que nos faz pensar se não há também livros de valor sendo escritos em japonês, chinês, hebraico e português. Por sinal, o nosso idioma pátrio foi lembrado uma única vez, com José Saramago, em mais de cem anos.
Nesse contexto, Nobel, quarto romance (se é que podemos chamar assim, por falta de definição melhor) e mais recente lançamento do escritor mineiro Jacques Fux, parece estar no lugar certo e na hora certa, pois vem acrescentar uma nova abordagem, muito bem-humorada, diga-se de passagem, sobre o mundo egocêntrico e das vaidades exóticas dos cânones literários, ao realizar — sem a menor modéstia — o sonho de todo escritor e se colocar como o primeiro brasileiro a ser galardoado com a prestigiosa honraria, como descrito na abertura: "Após anos de escolhas polêmicas, algumas vezes equivocadas e até vergonhosas, finalmente os nobres cavalheiros se redimiram e tomaram uma decisão acertada. Caríssimos, o vosso dever foi cumprido. Parabéns. Eu, sem dúvida alguma, sou merecedor incontestável desta premiação".
O trecho acima marca o início do tradicional discurso de agradecimento, parte integrante do protocolo da premiação Nobel, que irá se estender por todo o livro e no qual o nosso autor-protagonista transformará o "seu 'eu', real e biográfico, em um 'eu' ficcional e ventríloquo da memória e da obra dos outros", destacando passagens polêmicas da biografia de famosos laureados como Sartre, Canetti, Camus, Hemingway, Kawabata, Walcott, Coetzee, García Márquez, Vargas Llosa, Saramago e muitos outros, e sem esquecer também de alguns grandes escritores injustiçados pela Academia como: Kafka, Borges, Mishima, Nabokov e Ionesco. Como exemplo das digressões nada "politicamente corretas" de Jacques Fux, transcrevo a parte abaixo que discorre sobre a inusitada relação amorosa de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir — como é bom ler um autor que não tem medo de patrulhamentos.
Nesse contexto, Nobel, quarto romance (se é que podemos chamar assim, por falta de definição melhor) e mais recente lançamento do escritor mineiro Jacques Fux, parece estar no lugar certo e na hora certa, pois vem acrescentar uma nova abordagem, muito bem-humorada, diga-se de passagem, sobre o mundo egocêntrico e das vaidades exóticas dos cânones literários, ao realizar — sem a menor modéstia — o sonho de todo escritor e se colocar como o primeiro brasileiro a ser galardoado com a prestigiosa honraria, como descrito na abertura: "Após anos de escolhas polêmicas, algumas vezes equivocadas e até vergonhosas, finalmente os nobres cavalheiros se redimiram e tomaram uma decisão acertada. Caríssimos, o vosso dever foi cumprido. Parabéns. Eu, sem dúvida alguma, sou merecedor incontestável desta premiação".
O trecho acima marca o início do tradicional discurso de agradecimento, parte integrante do protocolo da premiação Nobel, que irá se estender por todo o livro e no qual o nosso autor-protagonista transformará o "seu 'eu', real e biográfico, em um 'eu' ficcional e ventríloquo da memória e da obra dos outros", destacando passagens polêmicas da biografia de famosos laureados como Sartre, Canetti, Camus, Hemingway, Kawabata, Walcott, Coetzee, García Márquez, Vargas Llosa, Saramago e muitos outros, e sem esquecer também de alguns grandes escritores injustiçados pela Academia como: Kafka, Borges, Mishima, Nabokov e Ionesco. Como exemplo das digressões nada "politicamente corretas" de Jacques Fux, transcrevo a parte abaixo que discorre sobre a inusitada relação amorosa de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir — como é bom ler um autor que não tem medo de patrulhamentos.
"Enciclopedistas colegas, Sartre e Simone se conheceram em 1929. Jovens, ele com 24 e ela com somente vinte e um anos. Linda, cheia de vida, inteligentíssima e versátil, Simone já se tornava protagonista de todas as fábulas e camas em que atuava. Tinha um namorado, René Maheau, com quem iniciou seus primeiros jogos de corpos e de fluidos. Mas ela almejava muito mais. Seu desejo físico, intelectual e metafísico era infinito. Sua alma nunca parava de investigar as vicissitudes e os particularismos humanos. Mas isso, meus senhores, Pirros e Cíneas, já sabem. Não polemizo nada de novo. O interessante é que o encanto da bela Simone pelo horrendo Sartre nasceu justamente ao ver abaladas suas estruturas, crenças e certezas. Ela, ao colocar os olhos nesse homem-inseto-abjeto, nesse corpo torpe-impressionista — 'baixinho, caolho, vesgo, assimétrico, desarrumado e um tanto fétido' —, se apaixonou. Fetiche? Sim, mas Sartre também era muito inteligente, divertido, ambicioso e agradável. Porém foi seu exotismo antierótico que enfeitiçou a feminista." (Págs. 40 e 41)Uma das ideias que norteia o texto de Jacques Fux é a de que os escritores que atingiram o status de "sagrados" são também humanos e, portanto, capazes igualmente de atos generosos e mesquinhos, honrosos e covardes. De fato, o bom humor da narrativa vai ficando um pouco amargo ao longo do livro, na medida em que Jacques Fux descreve os escritores suicidas como Kawabata, Mishima e Hemingway, e cita outro famoso filósofo laureado, Albert Camus, que resumiu bem a questão quando declarou que "só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão fundamental de filosofia." Mesmo para Yukio Mishima, que executou um suicídio ritual com requintes de crueldade, o bilhete de despedida deixava uma mensagem eternamente ambígua: "A vida humana é limitada, mas eu gostaria de viver para sempre".
"Trapaceiros senhores, somos ventríloquos de uma voz que não existe e que insiste em falar sobre o que não se pode nem de longe dizer. Somos parte de uma voz que narra faltosamente o indizível. Que representa e experimenta uma falsa e ardilosa experiência. Mutismo, limitação, imobilidade. Somos uma babel de silêncios e palavras. Não há nada de novo e nem de inédito em nossas escritas. Em nossas falas, falsidades e elucubrações. Beckett nos presenteou com a afronta da existência vazia. Seguiremos, inúteis, preenchendo lacunas, silêncios e orifícios. Para nada, amigos. Textos e palavras 'para nada'" (Págs. 112 e 113)Que me desculpem os partidários de que a literatura tem que ser uma coisa séria, a verdade é que não é fácil escrever com bom humor, o drama é sempre mais acessível à ficção. Logo, como não concordar com a escolha de Jacques Fux pela Academia Sueca, principalmente neste tumultuado ano de 2018, época na qual o nosso país luta para superar terríveis problemas de autoestima, perdemos a Copa, mas o Nobel é nosso! Finalizo esta resenha com o hilário resumo-justificativa, outra característica do protocolo: Jacques Fux é o escritor laureado neste ano (em que, na verdade, não teremos escritores laureados) "por ter performado, falsificado e duplicado a narrativa dos escritores canônicos, transformando-a em sua perturbada obra."
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