O Brasil Republicano - O Tempo da Nova República (1985-2016)

História do Brasil
O Brasil Republicano - O tempo da Nova Republica - Da transição democrática à crise politica de 2016 - Organização de Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado - Editora Civilização Brasileira - 520 Páginas - Lançamento: 08/10/2018.

Escrever sobre a história recente não é uma tarefa simples para o pesquisador que, sem o conforto propiciado pelo distanciamento temporal dos fatos, principalmente no campo historiográfico dedicado ao tempo presente, precisa vencer o desafio de lidar com uma história inacabada, imprecisa e incerta, da qual ainda sente os efeitos sociais, políticos e econômicos em seu próprio cotidiano. Este é o quinto volume da coleção O Brasil Republicano que reúne treze ensaios de historiadores, sociólogos, cientistas políticos, economistas, comunicólogos e literatos, cobrindo o período iniciado em 1985 com o falecimento do presidente eleito de forma indireta, Tancredo Neves, e a improvável posse forçada do seu vice, José Sarney, até o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Neste período, que os organizadores convencionaram chamar de "Nova República", o país atravessou um sofrido processo de redemocratização com a formação da Assembleia Nacional Constituinte que promulgou a Constituição de 1988, a eleição direta de Fernando Collor em 1989 — a primeira realizada pelo voto popular desde 1961 — encerrando o longo período de governo dos militares que se alternaram no comando do poder Executivo, os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) que implantou o programa de estabilização econômica, que viria a ser lembrado como o Plano Real, e os governos sucessivos do PT, a partir da primeira eleição de Lula em 2003, sua reeleição em 2006 e os dois mandatos de Dilma Rousseff, desde 2011 até o seu afastamento em 2016.
"A solenidade de posse de Tancredo Neves e José Sarney estava marcada para o dia 15 de março de 1985. No entanto, o país amanheceu naquele dia sob notícia desconcertante: Tancredo fora internado no Hospital de Base de Brasília, com suspeita de apendicite. Uma semana antes da posse ele vinha sentindo dores na barriga, mas procurava disfarçar. No dia 13, entretanto, a dor foi intensa, com febre e mãos e pés gelados. O que se seguiu foi uma sucessão de mentiras ao público. A primeira foi o diagnóstico de faringite, o que impedia Tancredo de dar entrevistas. Na verdade, os médicos diagnosticaram um quadro infeccioso agudo que necessitava de de cirurgia imediata. Tancredo negou. Exigiu tratamento alternativo para tomar posse no dia 15 e receber visitantes estrangeiros no dia 17. Somente aí o político autorizaria a intervenção cirúrgica. Tancredo sabia que era vigiado pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), e uma doença grave ou mesmo a morte seriam motivo para os setores radicais do Exército desfecharem um golpe. Por isso ele insistia em tomar posse. No dia 14, estava com o abdômen inchado e dificuldade para respirar. Segundo os médicos tratava-se de bacteriemia – presença de bactérias no sangue (Ribeiro, 2015, pp. 750, 756 e 760). A cirurgia teria que ser imediata." Capítulo 2 - O presidente acidental: José Sarney e a transição democrática (Pág. 35)
É de se ressaltar no livro o espaço dedicado para as manifestações artísticas e culturais do Brasil contemporâneo, fato raro em livros de história, normalmente focados apenas nas áreas de política e economia. Dois capítulos se referem ao assunto, no primeiro, "Arte e cultura no tempo presente (1985-2016)", encontramos um bom resumo sobre a produção de literatura, cinema e artes plásticas no país durante este período e no segundo, "Pátria amada, não idolatrada: o Brasil no rock dos anos 1980/1990", o fenômeno do crescimento das bandas de punk e rock nacionais no contexto do cenário político da época.

Contudo, o  mais interessante, como não poderia deixar de ser, é mesmo a narrativa sobre os acontecimentos da história recente da política brasileira, notadamente a ascensão e queda do partido dos trabalhadores. No capítulo "O lulismo e os governos do PT: ascensão e queda", é descrita a eleição de Lula em 2002, após as tentativas frustradas de 1989, 1994 e 1998, representando pela primeira vez na história uma candidatura claramente de esquerda. As estratégias do partido no poder com os seus erros e acertos que, ainda hoje, fazem notar os seus efeitos em nossa sociedade, extremamente polarizada entre aqueles a favor e contra o partido, como pudemos constatar nas últimas eleições presidenciais.
"No entanto, nas eleições de 2002 surgiu um novo candidato, mais moderado, que se apresentou com a fórmula "Lulinha paz e amor". A mudança na apresentação pessoal do líder do PT, que ganhou ternos e barba bem cortados, implicou também a adoção de um programa político mais comedido. Não se tratava apenas de cálculo eleitoral. Desde os anos 1990 a liderança do partido vinha abandonando o radicalismo em proveito de uma perspectiva moderada e pragmática, mais inclinada a reformar o sistema econômico-social do que a fazer uma revolução. Na verdade, o próprio Lula e outros líderes partidários jamais deram provas de adesão a qualquer projeto revolucionário – ao contrário de correntes minoritárias do PT –, de modo que não se tratava propriamente de traição, mas do esclarecimento de posições antes mantidas em zona de ambiguidade. Para esse processo de 'aggiornamento' contribuiu também a crise do 'socialismo real', mas, na verdade, o PT nunca havia definido claramente o seu programa, limitando-se a declarações em favor de um socialismo vago e jamais delineado. O caminho dessa marcha rumo a posições pragmáticas e moderadas foi recheado de crises internas, culminando em alguns casos com a exclusão de alas mais esquerdistas do partido (Reis Filho, 2007, pp. 518-519)." - Capítulo 12 - O lulismo e os governos do PT: ascensão e queda (Págs. 415 e 416)
O fato é que as "posições pragmáticas e moderadas" do partido dos trabalhadores que possibilitaram o acesso ao poder, também provocaram a corrosão de suas bases por meio de alianças políticas de caráter duvidoso e atos de corrupção. A operação Lava Jato, que em março de 2014 iniciou a investigação sobre a "lavagem" de dinheiro desviado da Petrobras, continua exercendo até hoje uma grande influência nas disputas eleitorais e vem definindo os rumos políticos do país em uma história que ainda está inacabada. 

Enfim, um livro que até poderia ser considerado como ficção mas, provavelmente, seria taxado de inverossímil por qualquer crítico literário. Recomendado não somente para estudantes e profissionais da área de história, mas também para todos os leitores interessados em entender um pouco mais o Brasil que, como bem sabemos, não é um país para amadores.

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