Sidney Garambone - Fausto Tropical
Um dos personagens mais recorrentes na literatura universal, o Demônio (sim, ele mesmo, o príncipe das trevas) permanece inspirando até hoje ótimos contos e romances. Johann Wolfgang von Goethe publicou a primeira parte do longo poema Fausto, uma tragédia em 1808 com base em uma antiga lenda alemã, esta obra foi revisitada em 1947 por Thomas Mann com o romance Doutor Fausto, que ganhou conotações políticas e históricas devido ao conturbado período da Segunda Grande Guerra. O mito de Fausto acabou chegando até o nosso genial Guimarães Rosa que soube expressar no épico Grande sertão: veredas o impasse metafísico entre o bem e o mal, enfrentado pelo protagonista e narrador Riobaldo, ex-jagunço, na forma de um suposto pacto com o Diabo em pleno sertão brasileiro.
Neste seu segundo romance, Fausto Tropical, Sidney Garambone enfrenta o desafio de retomar o tema clássico, apresentando uma versão moderna e bem-humorada de Lúcifer que declara não ter interesse em comprar almas, simplesmente porque elas não existem. Sinal dos tempos? É difícil imaginar um local mais apropriado para uma nova aparição de Satanás, neste início de século XXI, do que o Rio de Janeiro, tão bem definido por Fernanda Abreu como uma “cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”. Esse é o cenário em que o autor carioca imaginou o improvável encontro do histórico Mefistófeles com o decadente protagonista, o escritor Victor Vaz, botafoguense de coração (como este resenhista que vos escreve), solitário após uma separação traumática e com saudade da filha pequena, tudo isso resultando em um permanente estado de crise existencial.
A narrativa é feita em primeira pessoa pelo sofrido Victor Vaz que, como se não bastassem os problemas acima, ainda é ignorado pelos velhos amigos, inclusive a ex-namorada Paulina, após ter revelado detalhes da convivência do grupo em seu mais recente romance, traindo a confiança de todos. Ele se encontra, portanto, fragilizado e em um estado mais do que suscetível para o assédio do sobrenatural quando, após a sua visita mensal a um puteiro em Copacabana – procedimento decorrente do seu estado de solidão assumida – encontra, sentado no assento do carona do seu fusca, ninguém menos do que o autodeclarado Demônio que ele prontamente imagina ser um assaltante ou mais um lunático, uma vez que Victor não tem qualquer tendência religiosa como podemos comprovar no seguinte trecho:
Sobre o autor: Sidney Garambone é carioca. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e é Mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Trabalhou na mídia impressa nos jornais “Tribuna da Imprensa”, “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo” e na revista “IstoÉ”. Está na “TV Globo” desde 1999, na qual foi chefe de reportagem, editor-chefe do telejornal “Globo Esporte” e, desde 2007, comanda o “Esporte Espetacular”. Atualmente é editor de Qualidade e Projetos Especiais da Globo. Como escritor, publicou “O caçador de barangas” (7Letras), “A Primeira Guerra Mundial e a Imprensa Brasileira” (Mauad), Eu, Deus (Record) e “Os 11 maiores volantes do futebol brasileiro (Contexto). “Fausto tropical” (7Letras) é seu segundo romance.
Neste seu segundo romance, Fausto Tropical, Sidney Garambone enfrenta o desafio de retomar o tema clássico, apresentando uma versão moderna e bem-humorada de Lúcifer que declara não ter interesse em comprar almas, simplesmente porque elas não existem. Sinal dos tempos? É difícil imaginar um local mais apropriado para uma nova aparição de Satanás, neste início de século XXI, do que o Rio de Janeiro, tão bem definido por Fernanda Abreu como uma “cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”. Esse é o cenário em que o autor carioca imaginou o improvável encontro do histórico Mefistófeles com o decadente protagonista, o escritor Victor Vaz, botafoguense de coração (como este resenhista que vos escreve), solitário após uma separação traumática e com saudade da filha pequena, tudo isso resultando em um permanente estado de crise existencial.
A narrativa é feita em primeira pessoa pelo sofrido Victor Vaz que, como se não bastassem os problemas acima, ainda é ignorado pelos velhos amigos, inclusive a ex-namorada Paulina, após ter revelado detalhes da convivência do grupo em seu mais recente romance, traindo a confiança de todos. Ele se encontra, portanto, fragilizado e em um estado mais do que suscetível para o assédio do sobrenatural quando, após a sua visita mensal a um puteiro em Copacabana – procedimento decorrente do seu estado de solidão assumida – encontra, sentado no assento do carona do seu fusca, ninguém menos do que o autodeclarado Demônio que ele prontamente imagina ser um assaltante ou mais um lunático, uma vez que Victor não tem qualquer tendência religiosa como podemos comprovar no seguinte trecho:
“Sempre fui um católico revoltado. Jamais gostei dos ritos da Igreja, do senta e levanta das missas, do histórico medieval e dos erros mastodônticos que vários papas cometeram. Fiz primeira comunhão, fui crismado e carrego a famosa culpa cristã. Cometo alguns pecadinhos, nunca me confessei nem me confessarei com padre algum e me flagro temendo de alguma forma o Juízo Final. A relação da minha fé com Deus é amistosa. Gosto dos santos. Muitas vezes nomeio um para anjo da guarda e credito a ele meus sucessos e fracassos. Dos clérigos desconfio. Não me empolguei a consultar nenhum a propósito destes recentes encontros satânicos. Imaginei o horror de qualquer sacerdote ao saber destes meus encontros. E quantos terços eu teria que rezar a mando deles. É impressionante a força das palavras. O divino lembra contemplação e paz. O diabólico associa-se ao quente, ao perigoso, ao risco.” (p. 81)Os diálogos entre Victor Vaz e o seu interlocutor de tão variados nomes, são sempre permeados por referências a obras literárias e clássicos do cinema, enquanto discutem questões filosóficas e metafísicas, transitando por vários pontos turísticos do Rio e até mesmo da Europa, na pequena cidade de Cagliari na Sardenha por exemplo (não há limites para o tinhoso) onde conhecem detalhes da história de um santo cristão italiano chamado Lucifero do século IV. A linha principal de raciocínio é de que não há o Bem e o Mal, e sim a Verdade e a Mentira, sendo que a Mentira não é uma prerrogativa do Demônio, mas sim do seu antagonista (Deus), como explicado nas passagens abaixo:
"[...] Deus não é mentiroso, Deus aceita a Mentira como a ideologia humana de vida. Deus vestiu-se da incrível capacidade de aceitar a Mentira diária em todos os níveis, em todos os povos. Teve a clarividência, vá lá, divina, de perceber que a falsidade, as meias palavras, o dito pelo não dito, o cinismo, a falácia, o sofisma, o descompromisso, a promessa vazia são o modus operandi do homem. E ele, Deus, abre os braços para tudo isso. Aceita tudo isso. Deus foi mais inteligente do que eu. [...] Vocês não suportam a verdade. Nas minhas primeiras andanças, eu preguei a Verdade. Reuni camponeses, mostrei como havia fingimento na relação entre vizinhos, como o interesse próprio justificava as vilanias, a razão técnica da colheita ser um fracasso, a incompetência dos filhos no arado. Pequenos exemplos que me chegam à memória. Afastaram-se todos. Todos, Victor. Fui testemunhando ano a ano, década a década, o crescimento da fé em Deus, as metáforas absurdas que eram aceitas por todos, os mitos, os milagres, os ritos sendo mais importantes que a ideia." (p. 168)No decorrer do romance, a relação entre o protagonista e seu novo parceiro ganha um caráter de amizade e confiança. Afinal, se não existe o interesse em um pacto pela alma de Victor, qual a intenção desse encontro inusitado nos trópicos? O leitor certamente se surpreenderá ao descobrir o quanto de humano existe neste mítico ser do mal e vice-versa.
Sobre o autor: Sidney Garambone é carioca. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e é Mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Trabalhou na mídia impressa nos jornais “Tribuna da Imprensa”, “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo” e na revista “IstoÉ”. Está na “TV Globo” desde 1999, na qual foi chefe de reportagem, editor-chefe do telejornal “Globo Esporte” e, desde 2007, comanda o “Esporte Espetacular”. Atualmente é editor de Qualidade e Projetos Especiais da Globo. Como escritor, publicou “O caçador de barangas” (7Letras), “A Primeira Guerra Mundial e a Imprensa Brasileira” (Mauad), Eu, Deus (Record) e “Os 11 maiores volantes do futebol brasileiro (Contexto). “Fausto tropical” (7Letras) é seu segundo romance.
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