Katie Kitamura - Uma separação

Literatura contemporânea
Katie Kitamura - Uma separação - Editora Companhia das Letras - 216 Páginas - Tradução de Sonia Moreira - Capa e ilustração de capa: Violaine Cadinot - Lançamento no Brasil: 2021

Katie Kitamura, filha de pais japoneses e nascida na Califórnia, é romancista, crítica de arte e escreve para jornais como The Guardian, The New York Times e Wired. Seu primeiro romance, The Longshot, publicado em 2009, é sobre a preparação de um lutador de artes marciais e seu treinador. Gone to the Forest, lançado em 2012, se passa em um país colonial sem nome e descreve a vida e o sofrimento de uma família de proprietários de terras em um cenário de conflitos civis e mudanças políticas. O mais recente lançamento, Intimacies, tem como base uma protagonista que se muda para Haia, Holanda, para trabalhar como intérprete no Tribunal Penal Internacional, designada para interpretar o ex-presidente de um país da África Ocidental que está sendo julgado por crimes de guerra, o romance foi selecionado entre os melhores lançamentos de 2021 por uma série de publicações especializadas.

Uma separação, publicado originalmente em 2017, é seu primeiro romance traduzido no Brasil. Após alguns meses de uma separação que não foi oficializada e tampouco divulgada para a família e amigos, a narradora, não nomeada, recebe uma ligação da sogra, Isabella, perguntando sobre o paradeiro do filho. Nenhuma das duas tem maiores pistas sobre Christopher, mas Isabella descobre que ele está numa remota ilha grega e compra uma passagem para a nora ir buscá-lo no dia seguinte. Ainda mantendo o acordo que fez com Christopher de não contar sobre a separação, a narradora parte para a Grécia em busca do ex-marido.

"Começou com um telefonema de Isabella. Ela queria saber onde Christopher estava, o que me botou na posição constrangedora de ter que lhe dizer que eu não sabia. Isso deve ter soado inacreditável para ela. Eu não lhe disse que Christopher e eu estávamos separados fazia seis meses e que eu não falava com o filho dela havia quase um mês. / Ela achou a minha incapacidade de lhe informar o paradeiro de Christopher incompreensível e reagiu de um jeito seco, mas não exatamente surpreso, o que de certa forma só piorou a situação. Eu me senti ao mesmo tempo humilhada e constrangida, duas sensações que sempre tinham caracterizado o meu relacionamento com Isabella e Mark. Isso apesar de Christopher viver me dizendo que eu tinha exatamente o mesmo efeito sobre eles, que eu devia tentar não ser tão reservada, que isso era facilmente interpretado como uma forma de arrogância." (p. 7)

Ao chegar na península de Mani na Grécia, a protagonista-narradora se hospeda em um hotel grande e luxuoso, contudo vazio devido à baixa temporada e também pelos recentes incêndios florestais na região. Ela logo descobre que os funcionários do hotel também não têm a menor ideia do paradeiro de Christopher e passa a procurar pelo ex-marido, assumindo novamente um inusitado papel de esposa. A única pista que ela tem, se refere ao livro que Christopher estava escrevendo sobre os rituais do luto ao redor do mundo e, aparentemente, uma pesquisa em andamento sobre as carpideiras, mulheres contratadas para entoar lamentos em funerais.

"Quando o taxi estava saindo da vila, começou a chover. Perguntei ao motorista qual era o nome dele e ele disse se chamar Stefano. Perguntei se conhecia Kostas e Maria e respondeu que sim, que os conhecia desde pequeno. Cresceram juntos. Maria principalmente – ela era como uma irmã para ele. Eu disse que era uma vila pequena e ele concordou. Todo mundo conhecia todo mundo e ninguém nunca ia embora dali. Perguntei se não tinha gente que se mudava para as cidades grandes, para Atenas, por exemplo. Ele fez que não. Não há emprego em Atenas, a taxa de desemprego está mais alta do que nunca. / Depois, ficamos em silêncio. Do lado de fora, a paisagem inteira estava preta por causa dos incêndios. Subíamos as colinas, deixando a costa para trás. A vegetação tinha sido dizimada , substituída por montes de carvão queimado, uma paisagem lunar. Fieliras e mais fileiras dessas formas curiosas se estendiam por todo o terreno. Em alguns lugares. colunas de fumaça ainda subiam do solo. Até uma semana atrás isso aqui tudo ainda estva pegando fogo, disse Stefano. Só agora eles haviam conseguido extinguir os incêndios, depois de semanas, de meses ardendo." (pp. 58-9)

Aos poucos, a narradora vai conhecendo melhor os funcionários do hotel que conviveram com Christopher no último mês, inclusive Maria que trabalha na recepção e parece ter tido um caso com ele. Neste ambiente de contrastes, por um lado paradisíaco e, por outro, de destruição e caos devido aos efeitos dos incêndios locais, ela avalia o passado recente e as possibilidades para o futuro. Como sempre, prefiro evitar spoilers que possam tirar o prazer da descoberta pelo leitor, mas trata-se de uma narrativa pouco usual sobre as dificuldades da separação.

"Perguntei a Maria quanto tempo fazia que ela conhecia Christopher, como a coisa havia acontecido – a escolha de palavras foi um pouco cruel, eu não queria me referir ao que quer que tivesse acontecido como 'a coisa', mas não sabia que outra palavra usar. Não sabia se tinha sido algo tão formal quanto um caso (o que parecia improvável, dada a relativa brevidade da estadia de Christopher, que estava lá, pelos meus cálculos, havia menos de um mês), não sabia nem se algo de concreto havia acontecido – com isso quero dizer algo de material, de físico, poderia ter sido apenas esperança e insinuação. Maria, no entanto, se encrespou na mesma hora, olhou para mim como se eu estivesse debochando dela sem motivo, e imagino que para ela pudesse mesmo parecer deboche. Afinal, eu era a esposa, parecia ter todas as cartas na mão  ou pelo menos boa parte delas, apesar de no momento não estar conseguindo localizar o meu marido, tendo viajado até aquele lugar remoto na esperança de encontrá-lo. [...]" (p. 100)

Sobre a autora: Katie Kitamura nasceu em 1979, na Califórnia. Jornalista, crítica e escritora, colabora com publicações como The Guardian, The New York Times e Wired com artigos sobre arte, cinema e lutas. É autora de Japanese for Travellers (2006), The Longshot (2009), Gone to the Forest (2012) e Intimacies (2021). Uma separação é seu terceiro romance.

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