Roberto Menezes - Meio Estreito

Literatura brasileira contemporânea
Roberto Menezes - Meio Estreito - Editora Caos & Letras - 132 Páginas - Projeto gráfico: Cristiano Silva, Arte de Capa: Eduardo Sabino - Lançamento: 2021.

Os dez contos desta coletânea do paraibano Roberto Menezes são construídos como telas impressionistas, utilizando palavras e frases curtas como pinceladas de cores fortes que, isoladamente, não transmitem a ideia da paisagem completa que está sendo retratada, mas ganham forma e sentido na integração dos efeitos de luz e sombra, sentido que se completará, no caso dos textos, no ritmo marcado pela pontuação e interpretação do conjunto pelo leitor. Essa técnica fica muito clara no belo conto de abertura, reproduzido na íntegra abaixo, no qual ficamos com a sensação visual de estarmos participando da composição de um quadro.

"Um lugar no tempo. Um momento do espaço. Praça. Público. Forca. O condenado se aproxima. Pedra. Vaia. O capataz. O padre rege os passos. Um juiz de longe segura o livro de leis. Cinco degraus. Um cadafalso a sete metros do chão. Chão de barro. Chão com sangue. Capuz arrancado. Olhos castanhos. Pupilas dilatadas. Corda no pescoço. Uma prece. Uma fala. Uma pena. Aplausos. Um silêncio. Uma ordem. Outro silêncio. O capataz puxa a alavanca. O cadafalso abre. Nova vaga. O condenado permanece. Mesma altura. Corpo suspenso. Nenhum centímetro a menos abaixo. Nenhum centímetro acima. A corda não aperta. Sem tensão. Sem ferimento. Sem morte imediata. Vem a brisa. O condenado balança. O vento aperta. O pescoço sai da corda. O condenado flutua. Cinquenta centímetros diagonais. O capataz segura pelo braço. Traz de volta. O juiz acena. Obriga o capataz a soltar. Sem indicação no livro. A falta de peso nunca aconteceu. O juiz decide que a pena foi cumprida. O capataz desamarra as mãos. Desamarra os pés. O vento empurra o condenado. O condenado voa pela praça. Corpo no ar. O vento leva. O condenado sobe. Sobe. E some." (p. 13)

Em algumas narrativas, como no "conto número 2", o autor nos coloca do lado de dentro deste universo de excluídos que habitam as periferias dos grandes centros urbanos, buscando uma felicidade que parece impossível devido à pobreza, violência e falta de perspectivas em um meio estreito e injusto. É o que acontece quando participamos da epopeia de um pai que sai com seu filho pequeno para trabalhar como vendedor ambulante na praia em um dia de domingo. Se forem bem-sucedidos nas vendas, poderão contar com um saboroso jantar à base de salsicha e iogurte, mas antes têm que superar os perigos do longo trajeto de volta para casa.

Já no "conto número 3" – neste ponto já devem ter percebido que todos os contos do livro são simplesmente numerados – conhecemos a história de um estranho amor na casa do Brejo, onde Cris aguarda ansiosamente o seu ladrão, que a mantém em uma espécie de cativeiro doméstico, cercada apenas pelas roseiras que ela cultiva. Entre saudades pequenas e maiores, canta hinos na hora da ave-maria, enquanto aguarda o seu ladrão voltar. E assim se passam os dias, mas e se o seu ladrão não vier? Nada impede que Cris abandone a casa, mas ela fica.

"Cris o chama de seu ladrão. Meu ladrão, fala baixinho na cozinha depois que a panela começa a chiar. Fala meu ladrão quando dorme, com a voz delicada, paixão e agonia. Meu ladrão, meu ladrão, meu ladrão. / Cris está na casa do Brejo faz tempo. Nem sabe mais. / Cris não divide a cama com seu ladrão por mais que uma noite. Ele vem. E vai. Some de moto lá longe. Cris fica vendo seu ladrão de casaco de couro e capacete vermelho sumindo na linha do horizonte. Tem vez que ele demora uma semana. Tem vez que demora um ano. Tem vez que demora um par de dias. Não importa. Mantimento não falta. O ladrão sempre volta. Cris cuida da casa. Não deixa um prato sujo. Uma goteira pingar mais que uma vez. Um pedaço do piso sem brilho. Não tem um dia que não faça um prato pra dois. Não tem um dia que não corra pra se arrumar quando termina o serviço da casa. No fim da tarde, começo da noite, na hora da ave-maria, Cris senta na mesa posta. Canta hinos até dar sete e meia.Só aí vai na cozinha. Enche o prato. Traz pra mesa. E come. Ri das piadas que seu ladrão contou noutras noites. Come o segundo prato. Vai pro quarto e dorme." -  (pp. 24-5)

O "conto número 9" também me chamou a atenção pela criatividade na forma como a narrativa é conduzida, fazendo que o leitor reconheça os personagens em um intervalo de dez anos. Os sonhos de Bruno, goleiro do time que disputa a final do torneio de futsal interbairros de Santa Rita, sua namorada Lindinha, o destino implacável que compartilham e do qual não conseguem escapar. Sempre com muita coragem na escolha da forma e conteúdo de seus contos, Roberto Menezes é um nome que devemos acompanhar com atenção nos próximos anos.

Sobre o autor: Roberto Menezes é paraibano de Tibiri. Doutor em Física e professor na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Tem sete livros de literatura publicados, entre eles Trago Comigo Todas as Dores dos Homens (2019), Julho é um Bom Mês pra Morrer (2015) e Conversa de Jardim (2018), em coautoria com Maria Valéria Rezende. Com o livro Palavras que Devoram Lágrimas, venceu o Prêmio Prêmio José Lins do Rego da Fundação Funesc do Governo do Estado da Paraíba. Membro do Clube do Conto da Paraíba desde 2007.

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