Natalia Timerman - Copo vazio
O romance de estreia de Natalia Timerman trata de um tema antigo nas relações afetivas, o sofrimento causado pelo abandono repentino de um dos parceiros. O assunto pode não ser novo, mas em tempos de internet e redes sociais ganha aspectos inusitados e até mesmo uma designação moderna: ghosting; ato de terminar um relacionamento sem dar maiores explicações. Enfim, nesses casos ocorre uma separação que nem mesmo é assumida desta forma, a pessoa que aplica o ghosting simplesmente se afasta sem maiores explicações, desaparece, deixando o outro sem entender os motivos e buscando explicações nos perfis, até ser bloqueado.
O mais surpreendente em Copo Vazio é que a protagonista representa muitas conquistas das mulheres: arquiteta bem-sucedida e independente em todos os sentidos, com casa própria e carro, amigos e família, não parece se encaixar no estereótipo de uma mulher que se deixa destruir por uma paixão não correspondida. De fato, muitas das suas ações no romance só podem ser explicadas no contexto de vulnerabilidade ocasionada pelo ghosting, a insegurança provocada pelo fato de nem ao menos saber se a relação realmente acabou.
Mirela conhece Pedro aos trinta e dois anos, depois de ser convencida pela irmã mais nova a instalar um aplicativo de encontros. No decorrer da curta relação de três meses, ela tem expectativas de um relacionamento duradouro e deixa isso claro com suas atitudes, mas Pedro, que está em São Paulo apenas para o doutorado em Ciência política, retorna para Minas Gerais, interrompendo o relacionamento sem qualquer aviso.
"Mirela cria uma página falsa no Facebook e outra no Instagram utilizando um e-mail que cria apenas para isso. Pensa em usar um retrato de mulher do Egon Schiele como foto de perfil, mas imagina que, caso os aplicativos e seus algoritmos a sugiram como amiga a Pedro, ele possa desconfiar que seja ela. Recorta, então, uma imagem de tigre de um clipe da Valesca Popozuda e a seleciona como foto de rosto. Joanna Romma, escolhe como nome; coloca umas fotos de flores na linha do tempo, escreve bióloga no campo profissão, e pronto. Entra quase diariamente nas páginas de Pedro; usa mais os perfis falsos que o verdadeiro. [...] Utilizando os perfis falsos, Mirela descobre, que depois de defendida a tese, Pedro se mudou para Belo Horizonte. Fica sabendo, passados outros dois meses, que a avó de Pedro morreu. Ele deve estar sentindo muito, pensa, entristecida. Um e-mail, como não teve essa ideia antes? Escreve um e-mail, sem esperança de que ele responda, com esperança de que ele responda." (pp. 33-4)
A narrativa alterna, de forma não linear no tempo, passagens da vida de Mirela antes e depois da relação com Pedro. A autora não procura defender a sua personagem e dá alguns sinais de que a relação poderia se encaminhar para a interrupção abrupta ao citar, por exemplo, o fato de Milena ter presenteado Pedro no Natal, dois meses após se conhecerem, com um iPod com suas 123 músicas preferidas: "A playlist da sua vida, com as folhas de papel-sulfite que serviram de embrulho inteiras anotadas, letrinha pequena, explicações na frente e no verso, a história de cada uma das músicas ou o motico de estarem ali." Convenhamos, me parece um presente assustador para tão pouco tempo de relacionamento, mas isso pode ser decorrente da minha visão masculina.
"Faz três semanas. Não, é terça-feira: faz dezenove dias daúltima vez que viu Pedro. Dezenove dias amargurados em que Mirela chora a caminho do trabalho e precisa se conter para, chegando lá, não continuar chorando; em que não tem vontade de sair de casa aos finais de semana e se sai é por insistência dos amigos ou por desrespeito a si mesma. A sua vida entregue de volta, mas o que fazer com ela? É essa a sua vida? [...] Dezenove dias de incompreensão. Percorre o caminho reverso na busca de entender a ausência, o dia anterior, os dias todos e nada, se vê perdida na trilha de pensamento já formada, labiríntica, que oferece como única saída um choro convulso. Não há uma hora sequer em que não pense em Pedro. Sua ausência o amplifica, dilatação inflamada que bate, bate, bate." (pp. 50-1)
De qualquer forma, as expectativas e a pressão de Mirela para a continuidade do relacionamento, não justificam a crueldade do desaparecimento de Pedro, a dor de não saber o que aconteceu e o questionamento de cada ato que possa ter provocado o final, ou não, dessa história. A experiência de Natalia Timerman como psicoterapeuta certamente contribuiu muito para atribuir veracidade à trama, sem prejuízo do texto literário, muito bem construído por sinal e, talvez por isso, nos identifiquemos em muitas passagens com Mirela ou Pedro. Copo vazio nos mostra como ainda há muito para se escrever sobre essa questão de relacionamentos desde Anna Kariênina e Emma Bovary.
"Já faz meses – quase um ano –, mas Mirela continua encontrando Pedro em todos os lugares. Um Pedro que nunca é, que se desfaz, que vira e tem outro rosto. Atravessa a rua e, no relance de levantar o rosto entretida no telefone celular, lá vem ele, os braços muito compridos, ombro curvado, caminhando ao lado de uma mulher mais velha, uma senhora. Mirela para no meio da faixa de pedestres, segue-o com os olhos até o outro lado da rua, porém este Pedro tem o cabelo preto, não é ele, mas anda tão parecido, será que é?, e uma buzina interrompe seu olhar e precisa seguir, desculpando-se com o motorista irritado. [...] Pedro que some, Pedro que escapa, Pedro que parece nunca ter existido. Todos os dias encontrará Pedro, e quando, no fim da tarde ou à noitinha, percebe que não só não o encontrou como não pensou nisso em nenhum momento – seus caminhos plenamente seus –, pronto, acabou-se, encontra Pedro dentro de seu próprio pensamento." (p. 131)
Sobre a autora: Natalia Timerman nasceu em 1981, em São Paulo. É médica psiquiatra pela Unifesp, mestre em psicologia e doutoranda em literatura pela USP. Publicou Desterros: Histórias de um hospital-prisão (Elefante, 2017) e a coletânea de contos Rachaduras (Quelônio, 2019), finalista do prêmio Jabuti. Copo vazio é seu primeiro romance.
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