Luciano Lanzillotti - Geometria do Acaso

Poesia brasileira contemporânea
Luciano Lanzillotti - Geometria do Acaso - Editora Dialética - 144 Páginas
Editoração de Sofia Souza - Lançamento: 2021.

Só mesmo um poeta para nos ensinar que o acaso também tem lá a sua geometria, talvez não a rigorosa ciência que comprova a relação de cálculo das formas fixas, de seus comprimentos áreas e volumes, mas sim uma geometria na qual a matemática não tem vez, porque aqui tratamos de elementos não mensuráveis: "[...] Há então a geometria do acaso, / embora não se encontre definição / em livros do gênero. // Por ela e só por ela / é possível compreender / que a vida não se mede, / a vida se gasta." (p. 116)

Na primeira parte do livro, Esfera, Luciano Lanzillotti trabalha com a inspiração do tempo que, assim como a memória, apesar da nossa teimosia em "juntar, medir e sistematizar", mostra-se inclassificável, fato que me lembra do clássico Relógio de Ponto e da prosa poética do saudoso pernambucano Alberto da Cunha Melo (1942-2007).

Em Pirâmide, o olhar do poeta se volta para as injustiças sociais dos nossos grandes centros urbanos, o homem-placa que almoça sentado ao meio-fio: "Entre colherada e outra, / observa as pessoas / que passam. // Vago sorriso involuntário / lhe enlarguece a face." (p. 59) ou a gari que "Varre, meticulosamente , o meio fio, / como se fosse a própria casa. // Debutante de sonhos e sociedade / inacessíveis, // dança com fones / e uniforme fluorescente. // Pouco fala, nada responde. // Vez por outra, congela, por alguns segundos: // tentando se lembrar de como poderia ter sido." (p. 58)

Na terceira parte, Cubo, incômoda e cheia de arestas, a inspiração vem de aspectos preocupantes da vida contemporânea como a destruição da natureza e a nossa estúpida dependência dos celulares e aplicativos: "Animado com a nova compra, / abre a caixa branca, / geométrica, / como relicário: // retira plástico, papel, película / que recobre o produto, manual, / tomada, fone e tela de vidro. / Ligado em 127 volts, é o primeiro / olá que recebe hoje.." (p. 96) Será que essa maldita tela e vidro é a nossa única e definitiva companhia?

A parte final, Prisma, nos lembra de valores humanos que representam alguma esperança no futuro: "Do assento percebo / a senhora entrar no ônibus. // Tento fazer contato via olhos / para lhe oferecer o lugar. // Quando consigo iniciar a frase, / sou imediatamente cortado: // descanse, meu filho, / é você quem está vindo do trabalho." (p. 121) e o oportuno lembrete que eu compartilho com o poeta: "Aviso aos interessados: // voo / permanentemente / cancelado. // Não pretendo deixar / esse sol, / esse mar. // Nossa senhora dos destinos, / remarque minha passagem / em cem anos / no mínimo." (p. 142) Deixo com vocês alguns exemplos da poesia de Luciano Lanzillotti:

ÁLGEBRA
(Esfera - p. 26)

A vida se mede com alguns cálculos:

anos em dezenas;
propriedades em metros;
dinheiro em milhares;
amores em bodas,

mas a medida vaga do sorriso
se perde entre alaridos

Desde tempos distantes
gostamos de juntar comida,
pilhas, roupas, vinho;
nosso cérebro vestiu essa fantasia.

Acreditamos que ao juntar,
medir, sistematizar;

marcaremos um tempo
para além do que nos foi entregue
em frágil vidro.

Esquecemos, entretanto, que ele
já veio trincado.

TRÊS LIMÕES
(Pirâmide - p. 61)

O menino parado à porta do mercado
não quer dinheiro, apenas três limões
para trabalhar malabares.

O convido a entrar para que
os escolha.

Em pouco tempo, sou abordado
para que saibam se está comigo.

Franzino, malvestido e
olhos baços de quem não entende 
nada de metáforas.

A vida é dolorosa e a poesia
não pode com isso.

Pago limões, chocolate,
despeço-me envergonhado
por tudo o que tem passado.

E sei que ele
nunca mais sairá de mim.

CONTATOS
(Cubo - p. 98)

Os amigos viraram contatos,
até os de longa data
trocam figurinhas apenas à 
distância, que vai se tornando imensa.

Risadas vão secando,
aniversários em volta
de telas azedadas

e da vida em festa
advém o primeiro
não-milagre:

vinho vira vinagre.

LINHA
(Prisma - p. 125)

Clama a matemática
que a menor distância
entre dois pontos
é uma reta.

A mínima distância
pode ser curva,
ser um beijo
ou mesmo intransponível.

Poesia brasileira contemporânea
Sobre o autor: Luciano Lanzillotti nasceu no Rio de Janeiro em1975. Licenciado em Letras (UNISUAM, 2002), Mestre (2007) e Doutor (2012) em Literatura Brasileira pela UFRJ, tendo sido orientado por Eucanaã Ferraz e Dau Bastos e pesquisado sobre as poéticas de Manuel Bandeira e Ruy Espinheira Filho. Fez parte de antologias especializadas em literatura contemporânea em mídias impressas e digitais.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Geometria do Acaso de Luciano Lanzillotti

Comentários

Belíssimo site e belíssimo texto. É uma honra incrível ter sido agraciado. Muito obrigado.
Alexandre Kovacs disse…
Luciano, grato pela visita e comentário, parabéns pelo livro!

Postagens mais visitadas deste blog

As 20 obras mais importantes da literatura japonesa

As 20 obras mais importantes da literatura francesa

As 20 obras mais importantes da literatura italiana

As 20 obras mais importantes da literatura portuguesa

20 grandes escritoras brasileiras

As 20 obras mais importantes da literatura dos Estados Unidos