Luciano Lanzillotti - Geometria do Acaso
Só mesmo um poeta para nos ensinar que o acaso também tem lá a sua geometria, talvez não a rigorosa ciência que comprova a relação de cálculo das formas fixas, de seus comprimentos áreas e volumes, mas sim uma geometria na qual a matemática não tem vez, porque aqui tratamos de elementos não mensuráveis: "[...] Há então a geometria do acaso, / embora não se encontre definição / em livros do gênero. // Por ela e só por ela / é possível compreender / que a vida não se mede, / a vida se gasta." (p. 116)
Na primeira parte do livro, Esfera, Luciano Lanzillotti trabalha com a inspiração do tempo que, assim como a memória, apesar da nossa teimosia em "juntar, medir e sistematizar", mostra-se inclassificável, fato que me lembra do clássico Relógio de Ponto e da prosa poética do saudoso pernambucano Alberto da Cunha Melo (1942-2007).
Em Pirâmide, o olhar do poeta se volta para as injustiças sociais dos nossos grandes centros urbanos, o homem-placa que almoça sentado ao meio-fio: "Entre colherada e outra, / observa as pessoas / que passam. // Vago sorriso involuntário / lhe enlarguece a face." (p. 59) ou a gari que "Varre, meticulosamente , o meio fio, / como se fosse a própria casa. // Debutante de sonhos e sociedade / inacessíveis, // dança com fones / e uniforme fluorescente. // Pouco fala, nada responde. // Vez por outra, congela, por alguns segundos: // tentando se lembrar de como poderia ter sido." (p. 58)
Na terceira parte, Cubo, incômoda e cheia de arestas, a inspiração vem de aspectos preocupantes da vida contemporânea como a destruição da natureza e a nossa estúpida dependência dos celulares e aplicativos: "Animado com a nova compra, / abre a caixa branca, / geométrica, / como relicário: // retira plástico, papel, película / que recobre o produto, manual, / tomada, fone e tela de vidro. / Ligado em 127 volts, é o primeiro / olá que recebe hoje.." (p. 96) Será que essa maldita tela e vidro é a nossa única e definitiva companhia?
A parte final, Prisma, nos lembra de valores humanos que representam alguma esperança no futuro: "Do assento percebo / a senhora entrar no ônibus. // Tento fazer contato via olhos / para lhe oferecer o lugar. // Quando consigo iniciar a frase, / sou imediatamente cortado: // descanse, meu filho, / é você quem está vindo do trabalho." (p. 121) e o oportuno lembrete que eu compartilho com o poeta: "Aviso aos interessados: // voo / permanentemente / cancelado. // Não pretendo deixar / esse sol, / esse mar. // Nossa senhora dos destinos, / remarque minha passagem / em cem anos / no mínimo." (p. 142) Deixo com vocês alguns exemplos da poesia de Luciano Lanzillotti:
ÁLGEBRA
(Esfera - p. 26)
A vida se mede com alguns cálculos:
anos em dezenas;
propriedades em metros;
dinheiro em milhares;
amores em bodas,
mas a medida vaga do sorriso
se perde entre alaridos
Desde tempos distantes
gostamos de juntar comida,
pilhas, roupas, vinho;
nosso cérebro vestiu essa fantasia.
Acreditamos que ao juntar,
medir, sistematizar;
marcaremos um tempo
para além do que nos foi entregue
em frágil vidro.
Esquecemos, entretanto, que ele
já veio trincado.
TRÊS LIMÕES
(Pirâmide - p. 61)
O menino parado à porta do mercado
não quer dinheiro, apenas três limões
para trabalhar malabares.
O convido a entrar para que
os escolha.
Em pouco tempo, sou abordado
para que saibam se está comigo.
Franzino, malvestido e
olhos baços de quem não entende
nada de metáforas.
Pago limões, chocolate,
despeço-me envergonhado
por tudo o que tem passado.
E sei que ele
nunca mais sairá de mim.
CONTATOS
(Cubo - p. 98)
Os amigos viraram contatos,
até os de longa data
trocam figurinhas apenas à
distância, que vai se tornando imensa.
Risadas vão secando,
aniversários em volta
de telas azedadas
e da vida em festa
advém o primeiro
não-milagre:
Clama a matemática
que a menor distância
entre dois pontos
é uma reta.
A mínima distância
pode ser curva,
ser um beijo
ou mesmo intransponível.
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