Tito Leite - Jenipapo Western
Tito Leite consolida um estilo que conquistou muitos leitores a partir de "Dilúvio das almas", seu romance de estreia, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2023. Estilo no qual as frases são curtas e os diálogos essenciais, lembrando Graciliano Ramos (1892-1953), nem uma palavra a mais ou a menos, cortante e direto ao ponto como o sertão nordestino. Na cidade fictícia de Jenipapo, a lavoura de algodão, fonte de sustento da população, é controlada por alguns poucos compradores que impõem os preços do produto, perpetuando as condições de injustiça social. No entanto, a exploração e os desmandos forçam os personagens a se organizarem para sobreviver com dignidade.
Ivanildo é considerado um sonhador na família Trindade e desafia os poderosos locais quando planeja e executa com seus irmãos um plano que tem como base o aluguel de um caminhão e a venda do algodão em usinas localizadas em cidades próximas. O sucesso da empreitada influencia outros agricultores da região e não tarda a represália violenta que resulta em um atentado contra Ivanildo que acaba atingindo, com duas balas nas costas, o seu irmão gêmeo Sandro, justamente o mais conformado com a situação na cidade. O covarde assassinato dá origem a uma espiral de violência e sequência de revanches que envolve todos os integrantes da família Trindade, jurados de morte.
"O sertão é por um fio. Insetos, folhas, raízes e formigas em volta da terra. Tudo tão seco e ao mesmo tempo inteiriço. No sol escaldante, uma flor luta e sobrevive. Mesmo trincada, a vontade de vida insiste. Na cidade de Jenipapo, tudo é quebradiço, a moeda de troca circula nas lavouras de algodão. Plantam, colhem e se submetem aos três compradores. Não há banco na cidade. Roberto, um dos usineiros que começou como intermediário, disponibiliza o dinheiro e as sementes de baixa qualidade. O pagamento vem com as futuras safras do ouro branco. Um santo mártir, no momento de sua morte, certa vez falou: 'Serei trigo nos dentes das feras'. Um pouco isso, o que acontece, as pessoas são trituradas e ainda agradecem, sorridentes. Elas vendem o fruto do seu trabalho praticamente de graça e esbanjando contentamento, como se a compra fosse um gesto altruísta." (p. 9).
A novidade neste verdadeiro western nordestino é que a prosa lírica de Tito Leite, um autor que também sabe utilizar a poesia como forma de expressão, está associada às cenas de ação em uma linguagem seca – mas também cinematográfica –, que prende a atenção do leitor e cumpre o seu papel de denunciar a desigualdade social ainda tão presente em nosso país. Todos os homens e mulheres da família Trindade, cada um com suas próprias fragilidades, não têm alternativa que não seja escapar do papel de vítimas e se transformarem também em assassinos, ou uma improvável mudança de status, de oprimidos para opressores que, contudo, cobrará o seu preço em vidas.
"Caminha pelas ruas poeirentas que fedem a bosta de cavalo e onde ninguém puxa assunto. Neste momento ele é um afastado. Não por vontade, mas pela indiferença dos habitantes de Jenipapo. Os olhos ardem quando vê a igreja. Sente desejo de jogar uma pedra e perguntar pelo silêncio de Cristo. A porta estava fechada. Então, Ivanildo pensa: 'até Deus fechou a sua casa para mim'. Na frente da igreja, uma pracinha. Há quinze anos, foram fazer uma nova construção e encontraram ossos. Desistiram de cavar os alicerces. Na verdade, desistiram da própria memória. De acordo com alguns relatos, o local, antes de transformado em pracinha, era o cemitério onde se enterravam índios e vítimas de pestilências. A região foi primeiramente dos índios, depois dos coronéis e da igreja. Ali também foram enterrados os suicidas, considerados a escória da cidade. Era o cemitério dos malditos, de homens e mulheres que viviam à margem. O sepultamento, que deveria ser um rito de passagem, também era uma forma de condenação pública. Em Jenipapo, nem os mortos dormem placidamente. Alguns expiam velhos pecados." (p. 62)
Como Ivanildo logo percebe, a morte é o espetáculo principal em Jenipapo: "O anoitecer final de sua vida pode ser a qualquer instante. No sertão a morte é precoce." Tito Leite escreveu um romance realista com formato de bangue-bangue que nos mostra como a resolução de conflitos no interior do país ainda obedece uma primitiva sucessão de agressões e revanches. Regiões nas quais o controle das instituições legais e o cumprimento da justiça são dependentes do poder econômico.
"Ivanildo espera o usineiro olhar assustado para o seu rosto. Respira fundo e dispara o que tinha na agulha. Os passageiros gritam, o motorista para imediatamente. O sonhador desce do ônibus, caminha um minuto, respirando, respirando como se estivesse soprando num fogão de lenha para o fogo dançar. Desamarra seu cavalo e some feito fumaça que se esfuma. Agora, ele sabe que não é o mesmo. Pensa que uma parte dele é bruta, qual Rodrigo. Outra parte é bicho solto, feito Gil. A insustentável vida numa cidade-estábulo e a brutalidade do sol não são nada se comparados à injustiça de um tiro nas costas. O dia de seu fim, não tem como saber, apenas que não demora. Nesse tipo de vida morrer é depressa. A partir de hoje, todos os dias em que lavar o seu rosto lembrará do que é. Essa será a sua multa diária." (p. 79)
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