Sobre a beleza

florescer de fitoplânctons, no mar de Barents, no Ártico

Em "História da Beleza", Umberto Eco nos ensina que o conceito de beleza está longe de ser uma escolha individual, mas sim o resultado da influência dos padrões culturais e sociais de uma determinada época, sendo possivelmente uma ideia que pode ser afetada pela razão e conhecimento. Sendo assim, consideramos belas tanto as formas de representação do classicismo grego quanto as distorções da arte moderna não figurativa. Maior exemplo desta indefinição é o corpo da mulher que desafia os padrões de composição, forma e simetria ao longo do tempo. O que se definiu como belo mudou radicalmente da antiguidade à idade média, da renascença à era vitoriana e do início do século XX até as exigências estéticas do nosso tempo. Afinal, é verdadeiro o ditado que afirma que a beleza está nos olhos de quem vê? Certos estudos comprovam que sim, sendo as nossas preferências mais afetadas pelo ambiente e experiências individuais do que por uma herança genética.

A beleza é um conceito tão subjetivo que pode estar presente em locais improváveis e inacessíveis como na foto que abre esta postagem e lembra muito uma aquarela abstrata ou impressionista mas é, na verdade, uma imagem em cor natural do florescer de fitoplânctons, no mar de Barents, no Ártico, registrada pelo satélite Sentinel-2A, da ESA (Agência Espacial Europeia). O fitoplâncton é o tipo de vida mais abundante encontrado no oceano, são plantas marinhas microscópicas que flutuam sobre a superfície do mar. Por sinal, as fotos do nosso pequeno planeta visto do espaço, no site da ESA ou da NASA, são sempre de uma rara beleza e podem ser consideradas como uma espécie de arte muito particular. Não é estranho que arte e ciência, duas áreas praticamente antagônicas por definição, possam se aproximar para demonstrar em uma abordagem mais ampla o que possa ser um sentimento de satisfação estética, ou simplesmente beleza?

Na literatura, a beleza é um assunto recorrente, mas raramente exerce uma função de protagonismo; exceção para o romance "Sobre a Beleza" de Zadie Smith (ler aqui resenha do Mundo de K) que tem como referência o ambiente das ideias acadêmicas, artigos e palestras. A autora apresenta em uma trama muito bem-humorada uma visão de como a competição e a vaidade podem influir no debate ideológico entre dois professores rivais, Howard Belsey e Montague Kipps. No livro de Zadie Smith, os quadros de Rembrandt são o ponto de partida para esta "manipulação" do conceito de beleza que acaba envolvendo os professores, suas famílias e até os alunos em um tema mais complexo e abrangente, o problema de exclusão social dos imigrantes haitianos e da população negra de baixa renda em Wellington, cidade universitária fictícia, próxima a Boston na Costa Leste norte-americana.

O homem sempre buscou na filosofia a explicação para muitos conceitos subjetivos e não poderia ser diferente com o ideal de beleza. A Estética é o ramo da filosofia que tem por objetivo o estudo da natureza da beleza e dos fundamentos da arte. Platão, por exemplo, dissociava o belo do mundo sensível, acreditando que "a beleza absoluta é o brilho ou esplendor da verdade". Já Kant pensava de forma oposta, para ele o belo estaria ligado à sensação de prazer, desprovido do sentido de conhecimento e portanto não vinculado à realidade de um objeto ou fenômeno, o prazer viria apenas das representações sensivelmente apreendidas. Hegel acreditava que o belo é algo espiritual por resultar do espírito humano e manifestar-se em obras duráveis, inspiradas por um ideal e realizadas com base na imaginação do artista. De acordo com a visão de Hegel, só seria belo aquilo que possui expressão artística.

Muitas vezes é difícil obter concordância sobre o "valor" da obra de arte, seja em termos de aceitação pelo público ou até mesmo na avaliação da crítica especializada. Em alguns casos o trabalho é prontamente elevado ao patamar de obra-prima, mas em outros é depreciado como algo falso e inútil. É muito comum que determinadas obras de arte sejam rejeitadas em seu tempo para serem aclamadas no futuro como expoentes do espírito humano. O ideal de beleza, seja natural ou artístico é mesmo incompreensível, depende da sensibilidade individual, contexto social e histórico, herança cultural, entre tantas outras variáveis e certamente continuará desafiando o nosso entendimento, assim como fazendo a nossa vida melhor. Afinal, como escreveu Dostoiévski: "A beleza salvará o mundo".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

20 grandes escritoras brasileiras

As 20 obras mais importantes da literatura japonesa

As 20 obras mais importantes da literatura francesa

As 20 obras mais importantes da literatura brasileira

As 20 obras mais importantes da literatura dos Estados Unidos

As 20 melhores utopias da literatura