Fábio Mariano - Ruído Branco
Os contos neste mais recente lançamento de Fábio Mariano são ambientados, assim como nos livros anteriores: O Gelo dos Destróieres e Habsburgo, na fictícia cidade de Cartago, segundo o autor inspirada em Campinas, São Paulo, e seus entornos; narrativas que são o "fruto de uma série de lugares e pessoas reais que não estão representados nas suas páginas, mas sem os quais não seria possível tê-la moldado." No entanto, tempo e espaço são conceitos subvertidos na prosa experimental do autor e o cenário pode ser um bar chamado Espetinho do Polaco em Cartago, Praga, Düsseldorf, Buenos Aires ou até mesmo a remota região montanhosa dos Cárpatos.
Na verdade, não há zona de conforto para o leitor em Ruído Branco que é dividido em três partes: Glaciar, Distância e Permanência. Logo no conto de abertura, Território, encontramos um desafio de metaficção, verdadeiro quebra-cabeça ficcional que desafia o entendimento e possibilita múltiplas leituras. Em um clima de violência crescente, os dois protagonistas, Germano e Toro, confrontam o motorista e trocador de ônibus envolvidos em um episódio de agressão sexual, mas aqui nada é o que parece a princípio.
Já em Os Cárpatos, uma sensação de desamparo e solidão nos invade ao acompanhar a trajetória do personagem que "precisa de uma cerveja longe de tudo e de todos" em suas interações forçadas com o motorista de táxi, um marroquino que morou na Alemanha por dez anos e seu sobrinho que trabalha como barman. Fábio Mariano utiliza uma técnica que consiste em "narrar diversas pessoas e diversos episódios que não constituem um enredo comum", como explicado pelo próprio autor no prefácio do livro. Neste conjunto de personagens, as marcas de uma vida sem propósito e da constante inadequação estão sempre presentes.
"As corridas eram sempre intermináveis, de modo que o silêncio das primeiras vezes me constrangia profundamente. Sem saber o que dizer, eu procurava mexer no celular, mandar mensagens, ou então simplesmente admirar a paisagem. Foi desse modo que decorei as referências que, mais tarde, me custaria tanto apagar: o açougue; a vídeo-locadora; o local da feira livre (onde fantasmas dançavam à luz do dia e agarravam-se às árvores sob a lua); os terrenos baldios. A cartografia da cidade me aparecia em nacos, e era desses nacos que eu me nutria quando, ao fim de um dia, precisava de uma cerveja longe de tudo e de todos." - Trecho do conto Os Cárpatos (p. 59)
Em Ata-me, a afirmação do início é a mesma do final: "Herdei o apartamento", o protagonista herda também as fotos que o fazem recordar da mãe professora, uma lembrança carregada de melancolia e ausência, amplificada pelo imóvel desabitado que é ocupado apenas pelo "grito das crianças no pátio". A literatura de Fábio Mariano é assim, formada por esta coletânea de pequenas epifanias que podem passar despercebidas para o leitor menos atento.
"Não havia cartas, cinzeiros ou baratas no apartamento; o que havia era o grito das crianças no pátio. Grande demais, a estrutura tinha sido desfigurada, e eu poderia apostar que qualquer uma das peças de meus vizinhos era uma excelente casa para uma família com dois casais de filhos e um casal de pais, de horários religiosamente cumpridos, cujos lençóis azuis e rosa se debatem às quintas-feiras na área de serviço. Minha nova casa contava com uma biblioteca (já montada e em estado impecável) e um escritório, além, é claro, da suíte." - Trecho do conto Ata-me (p. 84)
Talvez, o fenômeno acústico conhecido como ruído branco, definido como um sinal sonoro que contém todas as frequências em uma mesma intensidade, como o som da televisão ou rádio quando não estão sintonizados ou até mesmo o ruído constante do ar-condicionado – uma espécie de mascaramento sonoro – possa representar uma pista para explicar este labirinto de personagens em seus diálogos aleatórios, aparentemente sem conteúdos significativos, uma experiência que vivenciamos diariamente. Um livro desafiador e que exige atenção.
"Eu tinha quinze anos, e umas amigas me chamaram para ir a um bar. Iríamos todas dormir na casa de uma delas e, sabíamos que os pais não ligavam pica para o que fazíamos. Eu tinha raiva de algo que ainda não entendia direito: a babaquice das minhas amigas, dos caras da escola, dos professores, um pouco de cada um. Eu nem entendia por que éramos amigas, acho que era só inércia depois de um primeiro trabalho em grupo na escola, ou pena delas por eu andar com roupas piores e nunca ter carona pros lugares, quem vai saber? O que importa é que naquele dia o 'Sinto-me Letal' tocaria, e o couvert artístico era mais barato que irmos ao cinema." - Trecho do conto Lindos Pulsos (p. 165)
Sobre o autor: Fábio Mariano nasceu em São Paulo, SP, mas vive em Campinas, interior do mesmo estado, desde o primeiro ano de vida. Publicou pela Editora Patuá O Gelo dos Destróieres (2018) e Habsburgo (2019), além de contos nas revistas virtuais Mallarmagens, Ruído Manifesto, Gueto e Literatura&Fechadura.
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Abraço,
Sônia