Sonia Sant'Anna - Barões e escravos do café
Um dos livros de maior sucesso na carreira de Sonia Sant'Anna, Barões e escravos do café é um romance histórico lançado originalmente em 2001 pela Editora Zahar e republicado em 2023 pela Editora Ibis Libris. Ao longo de 124 anos da história do Vale do Paraíba, descreve o desumano tráfico negreiro, a campanha abolicionista e o apogeu e a decadência dos barões do café. Personagens reais conduzem a narrativa, históricos ou não, como Mariana das Neves, quinta-avó da autora e seus descendentes, a africana Laura Conga, companheira do Barão do Tinguá por toda a vida, Tiradentes, o delator Silvério dos Reis, Duque de Caxias, Manoel Congo que liderou um levante de escravos, e os abolicionistas Joaquim Nabuco e Luiz Gama.
Fatos marcantes da época ocorrem paralelamente à trama, influindo na vida dos personagens, como a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, a Independência e a Abdicação de Pedro I, o período da Regência, a Guerra do Paraguai e a Lei Áurea. No período entre 1800 e 1850, mais de 2 milhões de escravizados desembarcaram no Brasil para trabalharem, em sua maioria, nas lavouras de café. A expansão cafeeira acarretou o surgimento de grandes latifundios com base no regime escravista e os fazendeiros passaram a dominar o cenário político e econômico do Brasil, adotando uma posição de enfrentamento à repressão inglesa ao tráfico negreiro.
"Quando a velha criada índia avisou que sinhozinho Pedro vivia rondando a ajudante da cozinha, Dona Mariana se deu conta de que a africana se havia tornado mulher, e mulher bonita. Deu-se conta também de que o ventre de Laura estava crescido. / Esses casos se resolviam tirando a escrava do serviço doméstico e enviando-a de volta à senzala. Lá criaria seu filho, do qual a avó seria a madrinha, concedendo-lhe a alforria. Adulto, seria um empregado de confiança, com privilégios especiais; se fosse mulher, lhe arranjariam casamento com algum roceiro livre e decente. Isso entre a gente de bem. Em outras famílias, a negra, depois de severamente castigada, era vendida para bem longe, levando consigo o mulatinho por nascer. Ou, se o pai da criança fosse casado e a sinhá uma mulher ciumenta, esta esperaria uma ausência do marido para se vingar da rival, em geral desfigurando-lhe o rosto para que sua feiura, dali por diante, não representasse perigo para a dona da casa." (pp. 13-4)
A produção cafeeira gerou uma extraordinária riqueza para os fazendeiros fluminenses que souberam aproveitá-la, construindo suas casas como palácios rurais e mantendo um estilo de vida requintado. Por outro lado, a vida na senzala sujeitava os escravos a castigos cruéis e condições desumanas que não foram devidamente registradas na história, como bem destacado pela autora: "A história pessoal dos escravos não foi registrada, ninguém anotou suas memórias, suas queixas, seus pensamentos. Seus nomes próprios aparecem apenas quando réus condenados à forca, às galés, aos açoites. Ou como objetos, em inventários, escrituras de compra e venda e anúncios em que se oferecem prêmios por sua captura."
"Antigas e respeitadas casas-grandes não eram julgadas à altura de seus proprietários. Uma febre de reformas e construções tomou conta do Vale. Nos salões, o velho mobiliário, em que a utilidade e não o adorno tinha sido a única preocupação, misturava-se a sofás estofados em brocados e a bibelôs de porcelana. Ocupando a parede principal da sala de jantar, sobre o bufê de jacarandá, os donos da casa, de uma tela emoldurada em dourado, sorriam benevolamente para o mundo ao redor. Pintores espertos descobriram o filão. Alguns, mais espertos ainda, já traziam consigo telas semiprontas, em que um senhor e uma senhora, em trajes de gala, sem as respectivas cabeças, esperavam apenas que algum casal posasse, para que fossem concluídas. Assim não se perdia tempo." (p. 73)
O livro é apresentado em uma bem-cuidada edição, incluindo notas de rodapé que esclarecem o contexto histórico, resumo dos personagens e extensa bibliografia, além de fotos e litografias de época. Um registro importante do Brasil no século XIX, desde a Independência até a Abolição, podendo ser utilizado nas escolas ou apreciado como literatura. Contudo, o ponto mais importante é o resgate de uma história em que sacrificamos homens, mulheres e crianças negras e, mesmo quando foi concedida a liberdade, não houve preocupação com o futuro, sem instrução ou profissão tornaram-se miseráveis nos grandes centros urbanos, originando a desigualdade social que persiste até hoje em nosso país com base no racismo estrutural.
"Café e açucar eram os principais produtos brasileiros de exportação. Agricultores não podiam ser contrariados – o tráfico, mesmo declarado ilegal, aumentou, só findando em 1850. Então para que hostilizar os latifundiários abolindo, de uma só vez, a escravidão, se esta acabaria, sem o tráfico, poe se extinguir naturalmente? / Não só os latifundiários, porém, eram favoráveis à manutenção do sistema. O trabalho, no Brasil, da lavoura à manufatura, dos serviços domésticos à construção de obras públicas, se fundava inteiramente no braço escravo. Cativos alugados a terceiros como carregadores, amas de leite, marceneiros, eram a fonte de renda de muitas famílias. Os chamados negros de ganho – doceiras, barbeiros – saíam às ruas buscando o sustento dos seus senhores. Pretos forros seguiam o exemplo e economizavam o necessário, para, como prova do seu novo status de homens livres, comprar um escravo, que, posto a trabalhar a aluguel, os liberasse de trabalhos braçais. Até donos de bordéis se aproveitavam do regime, comprando para seus estabelecimentos mulatas jovens e bonitas." (pp. 95-6)
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Comentários
Obrigada, Alexandre Kovacs pela resenha! Abraços. Thereza Christina Motta