Antoine Lilti - A invenção da celebridade

Ciências Sociais, História
Antoine Lilti - A invenção da celebridade (1750-1850) - Editora Civilização Brasileira - 452 Páginas - Imagem de capa: Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun, Marie-Antoinette (adaptado) - Tradução de Raquel Campos - Lançamento: 03/09/2018.

O termo celebridade é associado normalmente aos fenômenos de cultura de massa desenvolvidos a partir do século XX, seja por meio do cinema, da televisão ou, mais recentemente, do uso compulsivo das redes sociais. No entanto, segundo a tese do historiador francês Antoine Lilti, detalhada neste livro, alguns sinais do culto à personalidade e suas consequências, como as conhecemos hoje, já existiam nas grandes metrópoles europeias desde o iluminismo do século XVIII, inclusive os primeiros questionamentos de valor, tão discutidos em nossa época, sendo a celebridade ao mesmo tempo desejada e desdenhada, fonte de prestígio e de contestação, consistindo apenas em visibilidade social, nem sempre apoiada por méritos e decorrente apenas de um fenômeno midiático.

Uma das características mais interessantes do processo de transformação em celebridade é que um indivíduo célebre, seja ele um escritor, autor ou um político corrupto, deixa de ser avaliado em função da sua atividade original (boa ou má), tornando-se uma figura pública e julgada então unicamente pela sua capacidade de manter o interesse do público. Este fato explica como a provocação e o escândalo estão normalmente associados à celebridade, sendo normalmente manipulados como forma de promoção. Segundo o autor: "a celebridade seria apenas uma degenerescência da glória" e, para não deixar dúvidas sobre a afirmação, explica as diferentes formas de notoriedade: celebridade, reputação e glória.
"A glória designa a notoriedade adquirida por alguém julgado fora do comum por suas façanhas, quer se trate de atos de bravura, de obras artísticas ou literárias. Ela é essencialmente póstuma e desenvolve-se por meio da comemoração do herói na memória coletiva. A reputação, por sua vez, corresponde ao julgamento que os membros de um grupo, de uma comunidade, fazem coletivamente sobre um dentre eles: é bom esposo, bom cidadão, competente e honesto? Ela resulta da socialização de opiniões, por intermédio de conversas e de boatos. (...) Mas a especificidade das sociedades modernas relaciona-se ao aparecimento de uma terceira forma de notoriedade: a 'celebridade'. À primeira vista, ela se traduz em uma reputação muito ampla. O indivíduo célebre não é conhecido somente por sua família, seus colegas, seus vizinhos, seus pares ou seus clientes, mas por um vasto conjunto de pessoas com as quais não tem nenhum contato direto que nunca o encontraram e jamais o encontrarão, mas que são frequentemente confrontados à sua figura pública, isto é, ao conjunto de imagens e discursos associados ao seu nome." (Págs. 14 e 15)
Um capítulo inteiro, "Solidão do homem célebre", é dedicado a Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), considerado pelo autor como a primeira verdadeira celebridade europeia e também o primeiro a descrever a experiência da celebridade como um fardo e uma alienação. Entretanto, ao ler este livro, aprendi que um ditado que utilizamos muito aqui no Brasil é de ninguém menos do que Rousseau, o grande filósofo francês do iluminismo, redigido provavelmente em 1760, ele escreve, a respeito de si mesmo: "Prefiro que falem mal, mas falem de mim." Ou ainda: "Eu preferiria ser esquecido por todo o gênero humano a ser visto como um homem ordinário.", essas citações traduzem exatamente a definição de celebridade como a conhecemos hoje, mas o assédio dos admiradores provocou crises paranóicas em Rousseau que não conseguia manter a separação entre sua vida pública e privada.

No capítulo "Uma primeira revolução midiática", aprendemos como as novas tecnologias de propagação de texto e imagem, desenvolvidas no século XVIII, proporcionaram as bases para a produção do fenômeno da celebridade com o crescimento do público alfabetizado e a consequente multiplicação de jornais, romances e impressos de baixo custo. Novas técnicas para  impressão de gravuras popularizaram também o comércio e a distribuição de retratos de pessoas célebres que se tornaram objetos de consumo ao ponto de alguns autores criticarem a banalização das imagens (imaginem se conhecessem os aplicativos de nossa época), como Louis Sébastien Mercier: "Faz-se em nossos dias um ridículo abuso da gravura. (...) Essa tradução perpétua e miserável de todos os quadros e de todos os rostos espalha uma monotonia entediante nas casas, pois se encontra em uma o que já se viu em outra."

Uma das melhores partes do livro encontra-se no capítulo "Poderes da celebridade", onde o autor explora a biografia de quatro grandes personagens da época em diferentes áreas e o efeito da celebridade em suas carreiras políticas (quando a celebridade se torna popularidade): Maria Antonieta (1755-1793) que inicialmente transformou-se em uma rainha da moda e querida pelo povo francês mas não soube lidar com os efeitos de sua popularidade, tornando-se depois um triste símbolo da decadência monárquica; Mirabeau (1749-1791) que conquistou grande reconhecimento popular durante a revolução francesa (1789) utilizando o seu carisma de orador para fazer política como um verdadeiro ator; George Washington (1732-1799) fundador da democracia americana e um tipo de celebridade fabricada como símbolo do poder; e, finalmente, Napoleão (1769-1821), o primeiro general midiático, que soube articular a repercussão de suas vitórias e façanhas militares.
"Antes de Napoleão, outros personagens, como Washington ou Mirabeau, mas também, em menor escala, La Fayette e Robespierre, haviam trazido à luz a questão da dimensão pessoal do poder, da capacidade de um indivíduo de suscitar admiração e obediência, de federar em torno de seu nome o assentimento popular. A 'celebridade', a partir de então, tornava-se 'popularidade': uma forma de unção coletiva, que diz respeito à adesão política e, ao mesmo tempo, ao apego afetivo a uma pessoa pública. A popularidade não é um sinônimo da celebridade, e nem mesmo seu exato decalque político, já que implica um julgamento favorável. Não obstante, partilha com ela vários de seus traços: a concentração em uma pessoa singular, o impacto da publicidade, o tempo curto do julgamento dos contemporâneos, uma mistura entre curiosidade e apego." (Pág. 262)
Um livro muito recomendado para estudantes e profissionais da área de história e comunicação social, mas que certamente agradará também aos leigos, já que não utiliza um texto excessivamente acadêmico e proporciona uma leitura leve e agradável. O autor, Antoine Lilti, é diretor de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Atualmente pesquisa a construção historiográfica do iluminismo no século XX, a ideia de Europa no século XVIII e a história sociocultural das formas de reputação.

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